São Paulo, sábado, 25 de fevereiro de 1995
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Maluf acaba com "Hora do Rush"

ALDAÍZA SPOSATI

Como tudo na engenharia, as obras em vias públicas têm uma vida útil que varia conforme sejam submetidas a intervenções regulares de manutenção. Essas intervenções são ainda mais relevantes quando se leva em conta as severas condições impostas aos pavimentos no Brasil: forte calor, chuvas de grande intensidade e, sobretudo, um grande desrespeito às tonelagens máximas por eixo permitidas. Acrescenta-se a isso as más posturas dos motoristas: arrancadas e freadas bruscas e constantes, além das péssimas condições dos veículos, com derramamento de óleo, escapamentos desregulados etc. O gerente das vias urbanas deve contar com estes elementos físicos e culturais quando planeja a manutenção da malha viária.
A gestão de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo deu um salto na visão político-filosófica do tratamento da cidade. Sem esquecer a necessidade das novas obras e sem deixar de executá-las, ela implantou um plano de manutenção cuja força e abrangência foi alvo de vários "papers" em congressos nacionais e internacionais na área de transporte e pavimentação. Foi introduzido o conceito de que manutenção também é progresso. É sobretudo "vida nova" às obras e manutenção de vidas humanas, ao evitar acidentes. Manutenção é economia de material em larga escala. Manutenção é preservação ecológica, menos gastos em combustível e em materiais de construção.
Percebe-se com grande clareza a diferença política entre Erundina e Maluf em vários episódios. Contudo, nada mais eloquente do que observar o estado em que se encontram as vias expressas da capital. Como secretária das Administrações Regionais, durante a administração Erundina, pude coordenar a elaboração e o início da implantação de um programa sério e científico de gerenciamento de vias públicas, com o apoio da Escola Politécnica da USP. Pois esse programa foi simplesmente desprezado e posto de lado pelo atual prefeito. Os projetos e o programa de manutenção entregues à administração Maluf também foram abandonados com desdém. É lamentável que tanto esforço e recursos públicos tenham se evaporado em tão pouco tempo.
O descaso ocorreu em tal proporção que os buracos tomaram conta das ruas, em todos os bairros da cidade. E de uma maneira que, em grande parte das vias, a manutenção já é ineficaz: elas precisam ser repavimentadas. Agora, com certeza, essas obras serão realizadas, porque se tornaram inevitáveis. Entretanto, serão mais caras e vão causar transtorno muito maior à população e ao tráfego. E ainda teremos que verificar se serão feitas através de licitações ou se será usado o expediente de classificá-las como obras emergenciais.
De fato, toda a energia da gestão Maluf foi dirigida para seus túneis. Na verdade, são obras perversas, pois de um lado tiraram o fôlego para o prosseguimento das obras de manutenção e para o bom desempenho de serviços essenciais como, por exemplo, os atendimentos médico e educacional e, de outro lado, serão fatores indutores de mais deslocamentos individuais, provocando novos e intermináveis congestionamentos. São obras que refletem o autoritarismo do prefeito, pois são decididas em seu gabinete, sem discussão, e beneficiam pequenas e já privilegiadas parcelas da população. Investir no transporte coletivo significa não somente mais ônibus, mas mais espaços exclusivos de circulação. Maluf está conseguindo acabar com as ruas e com a democracia na cidade. Está acabando até com a expressão "hora do rush". A neurose do trânsito congestionado agora se estende por todas as horas do dia.

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