São Paulo, sábado, 25 de fevereiro de 1995
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Propostas não melhoram a Justiça

GUIDO ANTONIO ANDRADE

A lei tem por objetivo regular a vida social dos seres humanos. Por essa razão, a norma jurídica é genérica. Não é feita para atender a uma pessoa. É essa generalidade que permite à lei destinar-se a toda a sociedade e servir como instrumento da consecução do Direito.
As relações sociais, por sua vez, não são estáticas. São dinâmicas. Por isso as leis são aperfeiçoadas. Novos códigos são criados —como os que hoje tratam dos direitos do consumidor, da criança, ou da proteção ao meio ambiente. Sendo genéricas, muitas leis são mantidas. Mas não a sua interpretação. A sabedoria do legislador, que redigiu a lei duradoura, combina-se com a do magistrado, que interpreta a norma à luz da realidade, com bom senso.
Decisões tomadas em remotos rincões do país, ora por perspicácia, ora por coragem do magistrado, passam a influenciar a interpretação da lei em todo o país, inclusive nos tribunais superiores. Afinal, não detém, o juiz que mora em Brasília, o monopólio da sabedoria, do bom senso e da coragem.
Propõe agora o governo o centralismo democrático do "efeito vinculante". Os juízes de primeira instância e demais tribunais estariam impedidos de julgar livremente matéria constitucional sumulada pelo STF.
O mais recente exemplo da inconveniência dessa medida foi o confisco dos cruzados, no início do governo Collor. Não fosse a coragem e o descortino dos nossos juízes de primeira instância, a torrente de tragédias —entre enfartes e suicídios— teria sido maior. Graças à independência e à autonomia dos juízes os cidadãos puderam exercer seu sagrado direito sobre o que lhes pertencia.
O "efeito vinculante" pretendido delega poderes legislativos ao STF que, na prática, estaria regulamentando a Constituição. A decisão daqueles ministros passaria a ser definitiva e inquestionável. A suposta vantagem da racionalização está longe de atender à principal razão da existência do Judiciário: a de fazer valer o Direito. É uma falácia a idéia de que apenas a celeridade resolverá a falta de justiça no país.
Interessante observar que, muitos dos que se posicionaram contra a idéia de controle social do Judiciário —uma proposta que objetiva tão-somente a fiscalização administrativa e operacional desse Poder— manifestem-se agora a favor da intenção de interferir na atividade jurisdicional do juiz.
Ao opor-se ao "efeito vinculante" e às outras propostas que a ela se agregam, a Ordem dos Advogados do Brasil fala em defesa dos milhões de brasileiros prejudicados em seus direitos por autoridades que se negam a reduzir os insuportáveis custos da máquina pública e têm no bolso do contribuinte a alternativa mais fácil para buscar receitas, com pacotes, impostos e ações ilegais.
As propostas do governo não visam resolver problemas do Judiciário —ou do cidadão—, mas do próprio governo.

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