São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Crianças morrem no vazio estatístico em cidade do Piauí

JOÃO BATISTA NATALI
ENVIADO ESPECIAL A N. S. DOS REMÉDIOS (PI)

Crianças morrem no vazio estatístico em cidade do Piauí
Os dois cemitérios da cidade, modorrentos com o calor do meio-dia, não têm lápides com a identificação de seus mortos. Nenhuma estatística local informa quantas crianças estão ali enterradas e se morrem em razão da subnutrição e da miséria.
Nossa Senhora dos Remédios, 172 quilômetros a noroeste de Teresina, é, segundo o Ministério da Saúde, o município brasileiro com as piores condições de sobrevivência na faixa de 0 a 6 anos. Seus indicadores são piores que os de Teotônio Vilela (AL).
"Atendo por dia de 15 a 20 crianças desnutridas. O problema também é comum entre os adultos, que aparecem com indisposição, tontura e desmaios", diz Pedro Batista de Souza, 40, único médico da cidade de 6.074 habitantes.
A população rural (4.127 pessoas) subsiste com rocinhas de arroz e feijão ou quebrando cocos de babaçu. Não há cultura extensiva. Quando há trabalho, os proprietários empobrecidos remuneram o diarista à base de R$ 2,50.
"Esse ano, se Nosso Senhor ajudar, vai dar para tirar com a roça uns R$ 300", diz Benedito Nunes Barbosa. Dá R$ 25 por mês.

Pouco ou nada
O governo faz muito pouco ou quase nada para espichar a taxa local de sobrevivência infantil. Os 1.472 alunos nominalmente matriculados nas escolas municipais deveriam receber uma merenda diária nos oito meses letivos do ano.
Mas, em 1994, a merenda só foi distribuída em 44 dias. Nos restantes, quem chegou à escola de barriga vazia precisou voltar para casa com ela mais vazia ainda.
E não só as crianças. "Professora come mal e aluno também. A carência aqui é total", diz Adauto Rodrigues de Carvalho, secretário municipal da Educação. O salário mensal de uma professora primária varia de R$ 12 a R$ 20.

Mortalidade
Em condições assim desfavoráveis, qualquer levantamento feito ao acaso demonstra a alta taxa de mortalidade infantil.
Jofran Castro, 10 —mas com a estatura de uma criança de seis—, brincava com três amigos num pequeno açude da cidade, às 12h30 da última quinta-feira. As quatro crianças disseram ter no total 24 irmãos vivos e sete que morreram ainda pequenos. Uma hora depois, no pequeno saguão do único ambulatório, Maria Goreti da Silva, 35, e quatro outras mulheres esperavam por uma consulta.
Revelaram ser mães de 23 filhos vivos e terem perdido cinco em baixa idade, com diarréia ou outras doenças gastrointestinais.
Pequena agitação —quase de rotina— no ambulatório. Num de seus 13 leitos, uma nova criança acabava de morrer.

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