São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Nem a morte garante um pedaço de terra

JOÃO BATISTA NATALI
DO ENVIADO ESPECIAL

O coveiro Francisco Rodrigues, 48, apelidado de Chagas Mariano, dá um exemplo do colapso das políticas públicas em Nossa Senhora dos Remédios. Os terrenos dos cemitérios não são demarcados. As covas são abertas ao acaso.
"Se, depois de cavar oito palmos, a gente encontra outro caixão de outros tempos, recolhe os ossos e enterra eles com o morto que acabou de chegar", ele relata.
Só muito de vez em quando circula um automóvel pelas ruas revestidas de pedra britada, em lâminas de tamanho irregular.
"A população é carente. Arrecadaríamos com o IPTU deste ano apenas R$ 3.014, mas é quase certo que dois terços dos contribuintes não conseguirão pagar seus carnês", diz Francisco Sales, secretário da Administração.
Como todos consomem pouco, o repasse do ICMS nunca dá mais que R$ 1.000 por mês. Restam os repasses federais do Fundo de Participação dos Municípios, que totalizam, mensalmente, R$ 30 mil.
Os toscos armazéns de alimentos permanecem às moscas. Às 9h30, no mercado municipal, um vendeiro que abriu as portas às 6h30, não teve ainda nenhum freguês. O pacotinho de meio quilo de arroz custa R$ 0,25, e o quilo de feijão, R$ 0,80.
Pelas ruas, nenhuma obra. O prefeito, do PPR, mora em Teresina, e seus assessores argumentam que a cidade não tem dinheiro. Nenhum domicílio é servido por rede de esgotos. Lâmpadas queimadas da iluminação pública não são substituídas há anos.
Nossa Senhora dos Remédios convive muito mal com sua reputação de pobreza. Foi objeto de reportagem na Rede Globo em outubro do ano passado.
"Foi uma esculhambação", diz o ex-prefeito Delson Rocha. Para ele, "os mentores da campanha" queriam atrair doações estrangeiras. Mas, em lugar delas, chegou um caminhão de São Caetano do Sul (SP), cheio de "tênis furados e leite em pó com data vencida".
(JBN)

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