São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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O ÁRBITRO

"O árbitro é arbitrário por definição. Esse é o abominável tirano que exerce sua ditadura sem oposição possível e o empolado carrasco que executa seu poder absoluto com gestos de ópera.
Apito na boca, o árbitro sopra os ventos da fatalidade do destino e outorga ou anula os gols. Cartão na mão, ergue as cores da condenação: o amarelo, que castiga o pecador e o obriga ao arrependimento, e o vermelho, que o atira ao exílio.
Os bandeirinhas, que ajudam mas não mandam, olham de fora. Só o árbitro entra no campo de jogo; e com toda razão faz o sinal da cruz ao entrar, nem bem se aproxima diante da multidão que ruge. Seu trabalho consiste em se fazer odiar. Única unanimidade do futebol, todos o odeiam. Vaiam sempre, jamais o aplaudem.
Ninguém corre mais que ele. Ele é o único que está obrigado a correr todo o tempo. Todo o tempo galopa, desancado como um cavalo, esse intruso que ofega sem descanso entre os 22 jogadores, e, em recompensa de tanto sacrifício, a multidão uiva exigindo sua cabeça. Desde o começo até o fim de cada partida, suando mares, o árbitro está obrigado a perseguir a branca bola que vai e vem entre os pés alheios.
É evidente que adoraria brincar com ela, mas jamais essa graça a ele foi outorgada.
Quando a bola, por acidente, bate em seu corpo, todo o público lembra de sua mãe. E mesmo assim, só pelo pretexto de estar ali, no sagrado espaço verde onde a bola roda e voa, ele aguenta insultos, assovios, pedradas e maldições.
Às vezes, raras vezes, alguma decisão do árbitro coincide com a vontade do torcedor, mas nem assim consegue provar sua inocência. Os derrotados perdem por sua causa e os vitoriosos ganham apesar dele.
Desculpa de todos os erros, explicação de todas as desgraças, os torcedores teriam que inventá-lo se acaso não existisse. Quanto mais o odeiam, mais o necessitam.
Durante mais de um século, o árbitro vestiu o luto.
Por quem? Por ele mesmo. E Agora, dissimula isso vestindo cores.

Tradução de RODRIGO BERTOLOTTO

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