São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Pensei que o pesadelo voltaria à seleção

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Sem querer, Zagallo recolocou no centro do gramado a discussão que varou toda a Copa do Mundo, um torneio chinfrim que vencemos por WO, como se dizia no boxe antigo. E o que é que se discutia então? Nada mais, nada menos, do que a formação do nosso meio-campo, excessivamente defensiva, excessivamente burocrática, lenta e desprovida de uma centelha sequer de criatividade.
A justificativa da comissão técnica, onde Zagallo tinha lugar de destaque, era a de que não poderíamos nos expor, que futebol moderno é assim mesmo etc.
Misturava-se, por ignorância ou malícia, o sistema de jogo e as funções reservadas aos jogadores com os jogadores escalados para cumpri-las.
Traduzindo: o já clássico 4-4-2 (quatro zagueiros, quatro meio-campistas e dois avantes) não estava em questão. O que se discutia era como melhor fazer esse sistema funcionar. Ora, se insistimos com dois volantes toscos do estilo de Dunga e dois armadores lentos e burocráticos como Zinho e Raí, tendo como única alternativa para a má fase destes dois mais um volante —Mazinho—, jamais poderíamos oferecer um espetáculo digno de um verdadeiro campeão. Poderíamos ganhar o título, como, aliás, ganhamos, mais pelo desgaste dos adversários do que por mérito. E, tamanho foi o risco dessa estratégia, baseada na segurança, que acabamos ganhando na loteria dos pênaltis diante de uma Itália. Pode haver risco maior?
A saída ideal era balancear esse meio-campo, com uma escolha mais acurada na escalação do segundo volante e de um dos meias. Minhas sugestões eram Cafu no lugar de Dunga ou Mauro Silva e de Viola no lugar de Raí ou Zinho. Assim teríamos mais velocidade, mais punch no meio-campo e um mínimo de imaginação entre o meio-campo e o ataque formado por Bebeto e Romário.
Confesso que tremi na base quando ouvi um repórter de televisão anunciar a escalação do novo meio-campo, em Fortaleza, com Dunga e Doriva. Ah, meu Deus!, o pesadelo vai voltar, pensei cá comigo. Mas, não: Zagallo teve o juízo de colocar ao lado de Dunga um volante que marca como Doriva, cerca como Doriva, coloca-se em campo melhor do que Doriva e, quando de posse da bola, sabe jogar até com certo refinamento: Leandro. E, para completar o meio-campo, dois meninos ágeis, habilidosos e velozes, com e sem a bola —Souza e Juninho. Ambos revezando-se com Bebeto e Sávio, igualmente rápidos e talentosos. Resultado: foi uma goleada de dar prazer. Não só pelos gols, mas pela exibição.
Como? Se quero comparar um amistoso contra os eslovacos, na bica do Carnaval, com uma Copa do Mundo? Claro que não. Mas, pelo que vi nos EUA, uma Copa jogada ao escaldante meio-dia da Califórnia, naqueles campinhos ridículos e diante de adversários despreparados, quase faço minhas as palavras de Garrincha quando levantou a taça em 58, na Suécia: "Já acabou? Mas que campeonatozinho mais vagabundo". E era pra valer.

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