São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Por dentro e por fora

O capitalismo é caracterizado numa frase antológica: "o segredo é a alma do negócio". O que muitas vezes passa despercebido, embora seja igualmente definidor, é que até os segredos são negociados. Da espionagem industrial à "inside information" (informação privilegiada) nas finanças, há mercados menos visíveis onde operam mãos, ouvidos e olhos ainda mais invisíveis.
É possível coibir ou mesmo regulamentar essas práticas? O tema é polêmico e envereda pelo terreno sempre acidentado da moral. Há episódios exemplares de punição a operações ilícitas nas Bolsas americanas. Mas há também economistas que defendem fria e racionalmente a "inside information" como fator transformador, repelindo os que a combatem como pecado.
O Brasil, por razões óbvias, tem sido campo fértil para todo tipo de especulação em torno da possível promiscuidade entre autoridades públicas e agentes privados, como no caso da ex-ministra de Collor, Zélia Cardoso de Mello, acusada de favorecimento a especuladores no mercado de café, e mesmo suspeitas mais recentes, levantadas na semana passada por Janio de Freitas e Luís Nassif nesta Folha.
Há inúmeros casos de ministros e diretores do Banco Central que passaram sem solução de continuidade de um alto cargo público para posições estratégicas como consultores, banqueiros ou investidores. Mas não se pode inferir a priori, nesses casos, dolo ao bem público ou mesmo o uso posterior, visando ao lucro privado, de acesso privilegiado aos gabinetes de Brasília.
Entretanto, ainda que seja impossível ou inócuo regulamentar e proibir a proximidade entre a esfera pública e o interesse privado, acompanhar de olhos bem abertos o comportamento dos que habitam essa fronteira é oportuno e necessário. Afinal, se o segredo é a alma do negócio, é legítimo tentar evitar, numa democracia, os negócios sem alma dos que muitas vezes estão muito "por dentro" com o objetivo escuso de ganhar "por fora".

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