São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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O paraíso prometido

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO — Se se pudesse acreditar na palavra dos governantes, o mundo ficaria parecido com o paraíso dentro de um punhado de anos. Ocorre que governos de praticamente todo o mundo vão assumir compromissos ambiciosíssimos durante a Cúpula sobre o Desenvolvimento Social (6 a 12 de março na Dinamarca).
Entre eles, o de erradicar a pobreza e o de chegar a uma situação de pleno emprego. Deixo ao leitor como qualificar a iniciativa dos governantes, entre ousadia e cara-de-pau.
Acontece que a OIT (Organização Internacional do Trabalho) acaba de divulgar relatório sobre a situação do emprego no planeta. Mostra que 820 milhões de pessoas estão ou desempregadas ou subempregadas. Ou seja, uma de cada três pessoas em condições de trabalhar ou não pode fazê-lo ou o faz em condições inadequadas.
Ante esse dado, como se atrevem os governantes a defender não uma mera correção do drama mas o estabelecimento do pleno emprego, uma situação que muitos teóricos acreditam esteja morta para sempre neste mundo de alta tecnologia?
O normal seria que todos se curvassem ao novo espírito do governo brasileiro, essa coisa medíocre chamada paixão pelo possível. É sempre mais fácil.
Não sou dos que acreditam na palavra dos governantes. Portanto, não sou dos que esperam o paraíso para dentro de 10 ou 20 anos. Mas acho bom que se cometam ousadias como essas que vão constar do documento final da Cúpula.
Não importa tanto a sua exeqibilidade. Importa a inserção desses temas (e dos outros sete compromissos, que esta Folha divulga hoje) na agenda internacional.
Não que os governantes não gostem de resolver problemas sociais, exceto um ou outro maluco. Ocorre que todos acabam achando que é um problema complexo, de longo prazo, e empurram a tarefa para o seu sucessor e assim sucessivamente.
Com uma tábua de compromissos, sempre haverá uma ONG de plantão para cobrá-los, o que pode, no mínimo, encurtar o longo prazo.

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