São Paulo, quinta-feira, 2 de março de 1995
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O presidente e o rei

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO — O titular viajou ao exterior, o vice assumiu. É um homem magro, de aparência ascética, bom de lábia, com fama de obstinado, que prefere atuar na sombra, só aparecendo quando é impossível evitar a exposição. Por coincidência, ele chegou ao poder quando havia um rei em exercício, um rei gordo, gordíssimo, que passa o ano atendendo pelo nome plebeu de Bola, mas durante três dias ganha o título e a função de Rei Momo.
Não chegou a haver dualidade de mando, mas de estilo e objetivo. Entre o presidente Marco Maciel e o soberano da folia, as diferenças são notórias —mas, falando com sinceridade, não sei se ganhamos ou perdemos com isso.
O Brasil dá azar nesse departamento. Nossos mandatários podem ser bons ou maus, mas pouco têm em comum com o povo.
Nossa história é monótona. O cidadão chega ao poder e gosta que o levem a sério apelando para exemplos que nada têm a ver. Jânio cismava que era Lincoln, Floriano Peixoto pensava em Napoleão, Artur Bernardes era um Romanov nascido em Viçosa, Juscelino um Infante Dom Henrique sem o cinto de castidade. Os generais-presidentes gostariam de ter sido Rainhas Vitórias —por aí afora.
FHC ainda não se definiu. Leva jeito de querer realizar uma gentil mistura de Bismarck (ao pensar em reformular o Estado) e Péricles, ao pretender governar com sabedoria, cercado de sábios que ele conheceu no Chile (o poeta Thiago de Mello está fazendo falta).
Marco Maciel, embora presidente eventual, na certa deseja ser Marco Maciel até o fim. Tem dado certo até agora e não se mexe em time que está ganhando. Chegou lá de fininho e de acordo com o seu biótipo. Já o Rei Momo, com o curto mandato que lhe dão todos os anos, tem a seu favor justamente o biotipo. Sua aparência é a de gostar de comida, mulheres e festa: mais brasileiro seria impossível.
E tem a vantagem suplementar de ser primeiro e único, embora de tempos em tempos mude de encarnação, perdendo o trono para outro rei de gordura igual. Mais ou menos como os generais-presidentes que tivemos durante um bom tempo. Por isso tudo, prefiro os reis.

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