São Paulo, sábado, 4 de março de 1995
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Sueco prefere o perfil da Bienal paulista

KATIA CANTON
ENVIADA ESPECIAL A JOHANNESBURGO

Veterano das mostras internacionais, o curador sueco Svenrobert Lundquist viu nascer a 1ª Bienal de São Paulo e acompanha a de Veneza há 40 anos. Respaldado na experiência profissional, ele rejeitou em Johannesburgo o "excesso" de artistas apresentado por algumas delegações e a proposta de "curadorias mistas" entre estrangeiros e sul-africanos.
O curador escolheu uma só artista, com um só trabalho, para representar a Suécia nessa Bienal, Mela Isaeus-Derlin, 32. Ele apresenta uma instalação dupla. "Way up" é uma longa corda feita de gelatina multicolorida, que convida o visitante ao toque, mas, ao mesmo tempo, o assusta por sua característica "melequenta".
"Container" é um colchão emborrachado, branco, com um furo no meio, de onde jorra azeite. "As duas peças trabalham com a ambiguidade sobre o que é lúdico, atraente, e o que se torna sujo, repulsivo", explica a artista.
Descobridor de jovens talentos, o curador sueco é também um dos idealizadores da Manifesta, a nova Bienal européia, que terá sua 1ª edição em março de 1996.
Em entrevista à Folha, Lundquist fala do presente e futuro das Bienais e afirma que São Paulo tem condições de ser o eixo da arte contemporânea internacional.

Folha - O que o sr. acha dessa 1ª Bienal de Johannesburgo em relação a Veneza e São Paulo?
Svenrobert Lundquist - Veneza ainda é a maior referência das Bienais, mas está em plena decadência. Ela representa um mundo que já não existe. É extremamente elitista, com pavilhões separados. Só alguns países participam, possuem pavilhões e cada um é separado do outro.
A questão do espaço é fundamental na identidade de uma mostra. Nesse caso, São Paulo tem uma grande vantagem: tudo acontece no mesmo edifício. Em Johannesburgo, por falta de infra-estrutura, eles dividiram os artistas entre o Museu África, mais oficial, e o "Electric Workshop", um galpão interessante, mas ainda despreparado para receber arte.
Folha - E o conceito democrático, sem hierarquias entre artistas mais ou menos conhecido, que essa Bienal quer passar?
Lundquist - O excesso de democracia pode ser perigoso. A liberdade também fica vulnerável à qualidade do curador de cada país e à quantidade de dinheiro que o país pode investir para representá-lo. Então, o conceito de liberdade, a idéia que todos os países podem ser representados igualmente, é falsa, pois os pobres têm menos recursos para realizarem grandes exposições.
Folha - Qual seria a saída para essa contradição?
Lundquist - As Bienais precisam ter um tema. Não no sentido de fazer algo tão elitista quanto a Documenta, que só mostra um certo modismo, mas na idéia de dar um "corpo" à exposição. Os curadores-gerais da Bienais devem escolher alguns artistas e deixar que conselhos de cada país tragam seus próprios artistas, mas sempre seguindo um conceito.
A Bienal de São Paulo é a que reúne melhores condições para estabelecer esse perfil. Possui um só edifício, tem orçamento para convidar artistas e está fora do eixo Europa-EUA, o que convida à variedade. Além disso, a arte brasileira está em ascensão no cenário internacional.
Folha - O sr. definiria Bienal como política?
Lundquist - Sem dúvida. Ela é antes de mais nada um ato político. Toda Bienal é política, mas essa é 100%. Por isso, defendo a participação de todos os países africanos, mesmo os que nunca tiveram tradição artística. Essa é a grande chance de eles poderem ver o que se faz nos outros continentes e de mostrar o que fazem.
Folha - Mas não é preciso um treino específico para ver a arte africana?
Lundquist - Sim, e se isso será possível ou não, para nós, ocidentais, só o tempo dirá. É um grande desafio para nós, que temos um modo ocidental de ver, construído desde a arte do Renascimento. A tradição africana está mais baseada no artesanato, não separa "arts e crafts".
Folha - E a Manifesta, como será?
Lundquist - Trata-se de outro desafio. Uma Bienal é sempre um "network", uma possibilidade de trabalhar, além da arte, questões sociais. Desde a queda do muro de Berlim e da transformação da Europa do Leste, estamos pensando em fazer uma Bienal para integrar a "Nova Europa".
Ela vai acontecer na primavera de 96, em Roterdã, Holanda. A idéia é fazê-la, a cada dois anos, numa cidade européia diferente. A de 98 deverá ser em Budapeste. É um jeito de apresentar a Europa do Oeste para a Europa do Leste. Como essa Bienal apresenta a África ao resto do mundo.

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