São Paulo, sábado, 4 de março de 1995
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Mentalidade estreita

JOSEF BARAT

Dizer "não" à participação privada na construção e operação da infra-estrutura rodoviária é assumir uma posição reacionária no atual estágio do desenvolvimento brasileiro. O meu "não" refere-se, assim, tão-somente à forma como vem sendo conduzido o processo de "privatização" das rodovias federais.
Direi "sim" na medida em que se esclareça se existe: a) uma política rodoviária que situe as concessões como parte de um conjunto de soluções para a malha federal; b) uma alternativa para o financiamento rodoviário que garanta, de forma sustentada, a conservação e a preservação das condições de segurança de tráfego da malha não-concedida no longo prazo; c) uma programação concreta para transferir a titularidade de rodovias aos Estados em função das dificuldades institucionais geradas pela Constituição; d) o interesse político em viabilizar a Contribuição de Melhoria para financiar rodovias não passíveis de concessão; e) uma preparação técnica e administrativa para o exercício da função reguladora e f) uma estratégia de implantação de novas rodovias (construir/operar/retornar ao poder público) nos trechos privatizáveis em função das suas densidades atuais de tráfego, mas com notórias deficiências estruturais.
Refletindo sobre o processo de "privatização" das rodovias federais em curso, tome-se o caso da Dutra, que possui densidades de tráfego elevadas. Sua capacidade está saturada em muitos trechos e suas áreas lindeiras densamente ocupadas. Atende ao maior mercado consumidor do país e à passagem do tráfego de longa distância Sul/Sudeste/Nordeste. Sua duplicação é de 1967, sendo que toda a descida da Serra das Araras (Rio) mantém o traçado original de 1948. A duplicação do trecho São Paulo-São José dos Campos, estava prevista para 1976 e, ao longo do Vale, sua função urbana e local exige a reformulação de inúmeras interseções.
A concessão mediante a cobrança de pedágio e pequenas iniciativas nas áreas lindeiras não viabilizarão grandes mudanças estruturais. A Dutra será apenas mantida e melhorada na sua configuração atual. Uma nova descida da Serra será financiada com recursos públicos no âmbito de uma concessão privada?
Uma rodovia saturada e obsoleta, numa região com 25 milhões de habitantes induziria, num país sério, à concessão para construir uma nova rodovia, visando o tráfego futuro, paralela à existente e a esta interligada em pontos estratégicos. A conservação da rodovia existente seriam encargos do concessionário, que se ressarciria dos investimentos por meio da exploração de bolsões de atividades lindeiras, e nas interligações.
O raciocínio também se aplica à Régis Bittencourt, Fernão Dias e outras, obsoletas e com tráfego crescente. Infelizmente, não se sabe se é o subdesenvolvimento que gera uma mentalidade estreita ou se é esta que o perpetua. No Brasil, a concessão ainda é vista como um expediente para implementar obras que o DNER está habituado a fazer com seus parceiros usuais.
Falar em concessão como empreendimento, estruturado em engenharias financeiras complexas, gerador de oportunidades diversificadas de negócios e sobretudo lastreado em poupanças voltadas para aplicações de longo prazo é acenar com algo muito distante da cabeça dos nossos administradores públicos, agentes financeiros, agentes imobiliários e construtores.

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