São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
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Presidente uruguaio diz que neoliberalismo é "simplista"

WILLIAM FRANÇA
ENVIADO ESPECIAL A MONTEVIDÉU

"O Estado não pode desprezar seu papel de planificador. Ele tem que garantir equilíbrio social"

O presidente recém-empossado do Uruguai, Julio María Sanguinetti, 59, assim como Fernando Henrique Cardoso, também rejeita o "nhenhenhém" neoliberal. Motivo: o "simplismo" neoliberal "não garante o equilíbrio social".
Sentado em um amplo sofá e apreciando uma dose de uísque, com a qual não se deixa fotografar, ele falou à Folha na sexta-feira passada, dois dias depois de assumir o governo.
Descartando a possibilidade de adoção de plano econômico parecido com o do Brasil e da Argentina, Sanguinetti disse que a "turbulência mexicana" alterou o processo cambial.
O novo presidente afirmou que o Uruguai apóia o livre mercado, mas que o Estado tem de ser o "ponto de equilíbrio". Ele rejeita a quebra do monopólio do petróleo, mas admite abrir algumas áreas da telefonia.
O colorado Sanguinetti assumiu pela segunda vez a presidência, por votação direta, sem ter traçado uma política econômica clara —o que vem lhe rendendo críticas. Como um dos mentores do Mercosul (Mercado Comum do Sul), avalia que as metas de integração imediata foram superestimadas.
Enquanto falava à Folha, Sanguinetti se preparava para uma entrevista ao vivo para uma TV argentina. Diante dos vários problemas técnicos, ele aproveitou para elogiar a TV brasileira.
"Vocês têm a melhor TV do mundo. Lá tudo funciona, até demais. Derrubou até o coitado do Ricupero", brincou, referindo-se às inconfidência do ex-ministro Rubens Ricupero que, durante entrevista à "Globo", confessou o uso eleitoral do Real na eleição de Fernando Henrique Cardoso.
Ele disse que "em breve" visitará o Brasil. Na sua opinião, o país está bem servido por contar com dois de seus amigos em cargos importantes: FHC na presidência da República e José Sarney na do Congresso.

Folha — Quais são as metas econômicas de seu governo?
Sanguinetti — Nós queremos estimular as exportações, que nos últimos anos estão estancadas. Vamos ter de tomar medidas de incremento às exportações.
Folha — No Brasil, um dos caminhos propostos pelo governo é a redução de impostos.
Sanguinetti — Aqui vamos ter de baixar as tributações da seguridade social e fazer a devolução dos impostos diretos, daqueles que interferem na produção. Mas tudo com muita prudência.
Folha — Há alguma reforma política que precise ser feita imediatamente?
Sanguinetti — Temos que realizar reformas e queremos realizá-las ainda este ano. Quanto mais próximo ficar da próxima eleição (em 99) mais difícil será mexer no atual quadro político. Precisamos dar uma nova maleabilidade ao Executivo, mais atividade para o Parlamento, mais disciplina interna nos partidos e mais transparência e garantia para o sistema eleitoral.
Folha — Como tornar mais claro o processo eleitoral?
Sanguinetti — É preciso estabelecer candidaturas únicas. Hoje, existem várias candidaturas por partido e somam-se os votos do candidato na hora da eleição com os votos de legenda e sub-legenda, permitindo acumulações parciais de votos de senadores e deputados.
Folha — O sr. tem respaldo para fazer essas reformas?
Sanguinetti — Não. Isso vai ser o resultado de conversas e negociações com todas as forças políticas. Não tenho forças suficientes para impor isso ou aquilo.
Folha — O sr. ataca o discurso neoliberal. O que há de errado com esse discurso?
Sanguinetti — O fim do socialismo derrubou um rótulo, que foi o de pensar que a ideologia marxista era suficiente para interpretar a realidade econômica. Depois, com as idéias neoliberais propagandeadas pela então primeira-ministra da Grã Bretanha, Margaret Thatcher (79-89), veio a convicção de que bastava um Estado mínimo para produzir, havia a convicção de que bastava um equilíbrio fiscal para gerar uma cadeia de expansão. A experiência mostrou que nenhuma dessas automaticidades existem, que o Estado não pode desprezar o seu papel de planificador. O Estado tem que significar a garantia do equilíbrio social. Ele não pode desligar-se desse compromisso. Os grandes modelos de expansão econômica dos últimos anos —da Coréia, Japão, Taiwan, Cingapura—, têm uma presença muito forte do Estado. Do mesmo modo que ocorreu no Brasil nos anos 60. Então, não é verdade que o espontaneísmo econômico seja o principal mecanismo pelo qual se busca o crescimento econômico e muito menos o equilíbrio da sociedade. Por isso, nós recusamos essas definições de participar de um mecanismo simplista que é o neoliberalismo. Acatamos a idéia de uma economia de mercado, da livre competição. Mas também concebemos um Estado que planifica e controla.
Folha — Mas o sr. resiste à quebra dos monopólios do petróleo e das telecomunicações?
Sanguinetti — O monopólio de petróleo não está em debate aqui. O único que discuto até agora é o das telecomunicações, mas sem contar a telefonia básica. Em discussão estão a telefonia celular e as novas modalidades de comunicação. Para nós, a telefonia básica é um monopólio de direito —ou é do Estado uruguaio ou é de um Estado estrangeiro.
Folha — O sr. descarta a adoção de soluções como os planos de estabilização da Argentina ou do Brasil?
Sanguinetti — Acho que no Uruguai não estamos no momento de lançar um plano dessas características, porque a turbulência mexicana produziu uma alteração no processo de câmbio, que obriga um refluxo da situação. Você tem que ver antes onde está o novo ponto de equilíbrio. Estamos muito influenciados pela economia argentina e pela economia brasileira e agora por toda a economia mundial. Basta ver que o México produziu uma reação quase imediata na Bolsa de Buenos Aires e quase automática em Bolsas latino-americanas e nos Estados Unidos.
Folha — A crise mexicana chegou ao Uruguai?
Sanguinetti — Do ponto de vista financeiro e de Bolsa não houve nenhuma influência. Do ponto de vista dos bancos repercutiu favoravelmente porque aumentou o nível de depósitos. Isso mostra a solidez do nosso sistema financeiro. Em plena crise, aumentou o nível de depósitos. Mas, a repercussão econômica é indiscutivelmente negativa. Teremos um impacto negativo de vendas para a Argentina, por exemplo.
Folha — Quais são as grandes diferenças hoje entre Brasil e Uruguai?
Sanguinetti — Em termos econômicos, o Brasil é uma potência industrial, nós somos um país mediano. No terreno social temos uma homogeneidade maior que o Brasil, que tem desigualdades regionais importantes.
Folha — Que avaliação o sr. faz do Mercosul?
Sanguinetti — O Mercosul responde a uma necessidade histórica, econômica e dos tempos. Em 85, depois da abertura democrática, começamos a construir inter-relações, que culminaram no tratado assinado no ano passado. Houve um grau muito grande de otimismo, no sentido de que se pensou que em 95 teríamos um mercado comum completo. E julgo que superestimaram a meta, porque não se pode alcançar um patamar tão elevado de interação. Mas isso não indica que o Mercosul não tenha avançado extraordinariamente. Basta pensar nas cifras de intercâmbio comercial, basta pensar na fixação de um canal externo comum, basta pensar em todo o relacionamento criado. O Mercosul hoje é uma realidade irreversível.
Folha — Não houve uma precipitação na queda das tarifas?
Sanguinetti — Não tem sentido ficar discutindo o passado. Importa é discutir o futuro. O que já existe, existe. Isso é definitivo e creio que não está gerando extraordinárias turbulências.
Folha — O que vem agora, com o Mercosul?
Sanguinetti — Agora vem uma etapa em que vai funcionar plenamente o sistema tarifário, que é muito importante, e um novo sistema aduaneiro. São etapas delicadas de todo o processo de integração. Mas eu sou otimista.
Folha — Dos quatro países que integram o Mercosul, o Uruguai é o menor deles.
Sanguinetti — Nós não temos complexo de tamanho. O Uruguai é territorialmente um país com menor extensão, mas se olharmos os indicadores de qualidade de vida na América Latina vemos que estamos adiante. Dentro da sua modéstia em termos econômicos, o país alcançou níveis sociais de destaque para a região.
Folha — Que setores da economia uruguaia devem ser incentivados sem prejudicar a abertura econômica?
Sanguinetti — Estamos convencidos de que podemos encontrar setores de especialização e de mercado que se encaixem na nossa economia. O Uruguai pode funcionar com pequenas e médias empresas, mas flexíveis e versáteis. Além disso, nossa economia, dentro de sua dimensão modesta, tem muito mais anos de abertura do que a argentina e a brasileira
Folha — Ao final do seu discurso de posse, o sr. cobrou de Peru e Equador uma solução para o conflito de fronteira.
Sanguinetti — Eu disse simplesmente que todos os países da América Latina querem que os dois países busquem o caminho da paz. Aqui em Montevidéu se reiterou o acordo do Itamaraty, no sentido de manter o cessar-fogo. Confiamos que vai se encontrar uma solução definitiva.

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