São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 1995
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'Quiz Show' satiriza manipulação televisiva

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Filme: Quiz Show
Direção: Robert Redford
Elenco: Ralph Fiennes, John Turturro
Onde: Calcenter 2, Gazetinha, Eldorado 3

Nós tivemos "O Céu É o Limite" e os americanos, inventores das gincanas televisivas de perguntas e respostas, tiveram "The $ 64,000 Question" (CBS) e "21" (NBC). Ambos só perdiam em audiência para a série "I Love Lucy". Um dia, ainda na década de 50, descobriu-se que aquele tipo de programas, aparentemente tão zelosos de sua lisura quanto a votação dos Oscars, era na verdade tão sujeito a manipulações quanto uma luta de "telecatch".
"Quiz Show - A Verdade dos Bastidores" reconstitui a queda de um deles, o "21", com a mesma eficácia narrativa que fez de "Testa-de-Ferro Por Acaso" um curioso filme sobre o macarthismo e de "Todos os Homens do Presidente", um interessante espetáculo sobre o escândalo Watergate. Não é um docudrama, como o segundo, nem uma fábula, como o primeiro. O diretor Robert Redford optou pelo meio-termo, mesclando fatos e licenças poéticas. É mais uma crônica do que uma invectiva ao estilo Oliver Stone. Uma crônica irônica, ágil e saborosa sobre, entre outras coisas, a perda da inocência do telespectador norte-americano. Algo bem diferente do que fizeram Elia Kazan ("Um Rosto na Multidão") e John Schlesinger ("Rede de Intrigas") e do que Robert Altman certamente faria.
As primeiras imagens nos acenam com uma sátira à televisão, aos devaneios consumistas por ela estimulados e ao culto ao carro último tipo. Fechando o prólogo —todo ele construído como um comercial de TV— a mais famosa canção da dupla Bertolt Brecht-Kurt Weill, "Moritat", também conhecida como "Mack the Knife", na voz de Bobby Darin. Robert Redford também encerra o filme com ela (na gravação recente de Lyle Lovett), mas isso não significa que "Quiz Show" seja um filme brechtiano.
Por que, então, "Mack the Knife"? Bem, isto aqui não é um programa de perguntas e respostas, mas vá lá um palpite. Aliás, dois. Primeiro, o óbvio: o estupendo sucesso da gravação de Bobby Darin em 1959, ano em que a fraude de "21" foi desmascarada. Segundo: a letra de Brecht fala em crime, roubalheira e gangsterices que tais. Sacaram a ironia? A própria perenidade de "Mack the Knife" é um reforço à insinuação de que a televisão continua o mesmo veículo corrupto de sempre, manipulando tudo e a todos, inclusive os noticiários, para aumentar seus índices de audiência e atender aos interesses dos patrocinadores.
É possível ver "Quiz Show" como uma parábola da eterna luta entre a ética e o capitalismo. Ou como uma farsa sobre a espetacularização televisiva, a leviandade intelectual e a relação simplista do chamado grande público com a cultura, o saber, o conhecimento.
O verdadeiro herói da história chamava-se Joseph Stone. Foi ele quem primeiro investigou as suspeitas de fraude no programa "21", abafadas por um juiz. Redford optou pelo vitorioso: Richard N. Goodwin, jovem advogado a serviço do governo, que reabriu as investigações e levou-as até o fim. Goodwin não destruiu o prestígio da televisão, mas conseguiu banir do ar, por uns tempos, os "quiz shows" de cartas marcadas.
Uma das virtudes do filme é não fazer de Goodwin (Rob Morrow) um santo. Ele é tão ambicioso e sedento de status quanto os seus adversários. Aliás, não há vilões nem heróis muito nítidos em "Quiz Show". Herbie Stempel (John Turturro), presumida vítima dos produtores de "21", não é melhor nem pior do que Charles Van Doren (Ralph Fiennes), seu sucessor

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