São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 1995
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História do café peca em precisão

HAMILTON MELLÃO JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

A história do café se confunde como num conto de Borges, onde é muito difícil separar a realidade da ficção. Então me desculpem se alguns dos fatos que relato pequem um pouco em precisão.
Parece que tudo começou em 1250, quando um asceta de Moka, cidade do Iêmen, foi mandado viver —não se sabe bem porquê— numa montanha pouco distante do seu monastério.
Como sabemos, a fome é a mãe de todas as razões, então o pobre penitente fez uma sopa com os grãos do único arbusto disponível naquelas paragens. Depois de alguns dias naquela dieta, ele se sentiu tão revigorado que desceu da montanha e ofereceu aquela bebida ao sultão de Moka, que, entre extasiado e agradecido, mandou construir para o ex-penitente um convento.
Fábula ou realidade, a Coffea arábica tem sua origem na Etiópia —plantada por cristãos negros— e até o fim do século 13 já era conhecida em todo o mundo árabe.
Os venezianos não perderam a chance de juntar às preciosas especiarias que importavam do Oriente sacos e mais sacos de café, pois já haviam aprendido a torrar e moer os grãos com os turcos, que colocavam o pó em água fervente, aromatizado com canela e cravo da Índia, e o serviam em taças redondas, adoçadas primeiro com mel e posteriormente com açúcar.
No início do século 17, Amsterdã era o centro comercial do café, e o Oriente não era mais seu único produtor, pois a Companhia das Índias introduziu o seu cultivo na América do Sul, onde o produto obtido revelou-se excelente.
No século 17, atribui-se ao café sobretudo valores medicinais; o século 18 o tem como revigorador do intelecto; e, no século 19, com o início da era industrial, ele era consumido pelas massas trabalhadoras para prolongar a jornada, tirando o cansaço.
Todas as maiores cidades da Europa pedem para si a primazia de terem tido a primeira cafeteria, mas parece que a inovadora foi o Café Procope, aberto em 1643, em Paris. Um pouco depois elas eram chamadas "bureaux d'esprit", pois a maioria dos seus frequentadores era composta por jornalistas, escritores, filósofos e artistas.
Não foram poucos os que exaltaram a exótica bebida. O jovem Goethe o chamava Apolo Negro; Johann Sebastian Bach fez a sua famosa "Cantata del Caffè"; Montesquieu, nas suas "Lettres Persanes", escrevia que o café dava espírito aos seus bebedores e os fazia pensar por quatro.
Produto básico de exportação brasileiro, nosso café, antes tão afamado, foi aos poucos perdendo a sua precedência, seja pelo cansaço do solo, pelo pouco trato que os fazendeiros dispensam à planta, mas principalmente pelo descaso na hora da colheita, misturando os grãos em diferentes estágios de maturação, e pelos torrefadores, que não se preocupam com a mistura dos diversos blends.
Por terem uma mão-de-obra mais barata, Colômbia e Costa Rica têm hoje o melhor café do mundo, pois é possível escolher os grãos maduros dos não, dando maior igualdade ao produto final. Além disto, os cultivares destes países são mais aromáticos.
O principal requisito para tomar um bom café é moê-lo na hora de o consumir. Na impossibilidade disto, peça para moerem o pó —sempre em pequenas quantidades— e o guarde bem fechado na geladeira.
Para o modo de fazer, existem três correntes básicas: o expresso feito pela evaporação da água prensando o pó do café; o filtrado, nosso velho conhecido, feito com coador de pano ou papel; e a maneira turca, com o pó ficando no fundo da xícara à maneira do chá. Todos estes métodos têm seus defensores e não é possível defender nenhum nem entrar em mais um debate bizantino da gastronomia.
Alguns plantadores brasileiros, mais antenados, estão fazendo a sua própria moagem e torrefação, assim como procurando nas zonas produtoras os melhores produtos para fazerem seu "blend". Um bom exemplo é o café Santa Francesca, produzido na fazenda homônima, vendido em quantidades razoáveis para particulares ou restaurantes. O mesmo pode ser encontrado na Casa Santa Luzia.
CAFÉ SANTA FRANCESCA: tel. 521-9765
CASA SANTA LUZIA: al. Lorena, 1.471, tel. 282-4949, Jardins

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