São Paulo, sábado, 11 de março de 1995
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A grande desculpa

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO — Eficiência e credibilidade do governo entraram em baixa. Mas tudo tem explicação: nada poderá ser feito enquanto não forem encaminhadas as reformas. A fórmula é meio cabalística: "Encaminhamento das reformas".
A distância entre o Planalto e o Congresso parece que é de 500 metros, nunca fui lá medir, mas deve ser mais ou menos isso. Para encaminhar as reformas o governo precisará de mais tempo do que Vasco da Gama para se encaminhar às Índias.
Durante o regime autoritário, diversos grupos, fragmentados ideologicamente, estavam dispostos a lutar contra o arbítrio, mas faltava ao movimento um eixo, um núcleo estruturado. Cada qual fazia o que podia ou queria e houve terrorismo e até apelos à luta armada.
Naquele tempo, âncora era apenas um objeto naval. Não tinha o poético sentido de hoje. Pois era isso: faltava uma âncora que amarrasse o inconformismo de numerosos setores da sociedade contra o regime militar.
Âncora natural seria o velho Partidão, que tinha infra-estrutura, quadros e apreciável know-how internacional. Mas o Partidão, mais interessado em dar cobertura à política externa da extinta União Soviética, não só recusava apoio, mas remava contra, alegando que "não havia condições objetivas". Ninguém sabia que condições objetivas seriam aquelas, o fato é que o regime durou 21 anos e mais duraria se dependesse do Partidão.
O governo está adotando técnica parecida. Enquanto não forem encaminhadas as reformas, não haverá condições objetivas para nada. O prometido Eldorado tucano está às portas, tudo pronto, azeitado, definitivamente enquadrado. Só não existe realmente porque as reformas ainda não foram encaminhadas.
Outro dia, contei a história do empresário que atrasou o pagamento dos seus funcionários por seis meses. Recebendo a comissão de grevistas que exigiam uma solução, o empresário saiu-se com uma pergunta: "Meus filhos, vocês não sabem que o Muro de Berlim caiu?"
Li que uma comissão foi reclamar de um ministro providências sobre as mensalidades escolares. O ministro usou o Muro de Berlim que tinha à mão: resolveria tudo depois do encaminhamento das reformas.

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