São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Corrupção emperra o desmonte do Estado

FERNANDO CANZIAN; NELSON BLECHER
DA REPORTAGEM LOCAL

O norte-americano David Osborne, autor do livro best seller "Reinventando o governo", obra de cabeceira do presidente dos EUA Bill Clinton, acha que o Brasil precisa de um time de "intocáveis" para implantar a reengenharia no setor público.
Na sua opinião, o excesso de corrupção, funcionários e barganhas políticas constituem barreiras à reestruturação do Brasil.
Passo fundamental para a reengenharia, afirma, é expor as estatais ao mercado. "A competição faz maravilhas", diz.
Nesta quarta-feira, Osborne estará em Brasília —em sua primeira visita ao país— para participar do seminário "Reinventando o governo".
Na platéia, devem constar os ministros Luiz Carlos Bresser Pereira, da Administração Federal e Reforma do Estado, e Nelson Jobim, da Justiça.
Leia a seguir trechos da entrevista telefônica que Osborne concedeu à Folha na semana passada de seu escritório em Boston:
Folha - Qual o conselho que o sr. daria ao presidente Fernando Henrique Cardoso para fazer a reengenharia no Estado brasileiro?
David Osborne - O presidente deve montar uma estratégia específica e criar um time de líderes com poderes para implementar mudanças. Deve seguir quatro pontos básicos: 1) Mexer com a relação entre os servidores públicos e seus consumidores; 2) Criar prêmios para os serviços e empresas públicas que mostrarem resultados e punições para os que fracassarem; 3) Modificar a forma de controle, pois a maior parte do setor público é controlado desde o topo; 4) E mexer com a cultura e as normas do serviço público.
Também são quatro os setores que devem ser envolvidos: as próprias instituições públicas, o funcionalismo público, o setor político e o setor privado.
Folha - Na prática, o que o Brasil poderia fazer imediatamente?
Osborne - Desregulamentar tudo o que for possível e estabelecer metas e cobranças para resultados. É preciso obrigar firmemente as organizações estatais a prestarem atenção em seus consumidores e descentralizar decisões.
É extremamente importante que o governo instaure a competição contra as suas empresas, em todos os setores, principalmente onde existe o monopólio. A competição faz maravilhas. A chave no processo é criar mudanças que obriguem setores do governo a também mudar para continuar sobrevivendo.
Mas há um problema, principalmente no caso brasileiro, pois parece que há muita corrupção no seu país, não é verdade?
Folha - Há muitos casos comprovados.
Osborne - Neste caso, antes de espalhar a competição pelo setor público, é absolutamente necessária a criação de uma organização jurídica independente para discernir onde a corrupção pode se instalar durante o processo. É preciso criar um grupo de "intocáveis" com poder para investigar e retirar a corrupção de áreas onde ela possa proliferar.
Folha - No campo político, o governo brasileiro vem realizando barganhas em empresas e órgãos públicos para poder ter apoio político no Congresso. Este comportamento não inviabiliza a reengenharia do Estado?
Osborne - Não posso dizer que sim ou que não sem conhecer as peculiaridades. Este é o dilema de todo presidente sem apoio que tem de aprovar no Congresso medidas que considera importantes. O problema é conhecer o grau desta barganha política. Se pessoas inexperientes são colocadas à frente de setores ou empresas públicas importantes, sim, isso compromete todo o resto.
Folha - O sr. conhece as peculiaridades do funcionalismo público no Brasil?
Osborne - Não, você poderia me fazer um resumo?
Folha - Sim. O Estado é considerado um gigante. Dos 20 milhões de brasileiros que possuem contratos de trabalho (carteira assinada), oito milhões são funcionários públicos, em todas as esferas. Eles representam quase 10% do total de eleitores.
Osborne - Isto quer dizer que quase 40% dos empregos registrados no país são públicos. Trata-se de um grande obstáculo para uma reengenharia do Estado. Um funcionalismo público desta ordem torna difícil a privatização de vários setores e exerce uma pressão imensa sobre os políticos. O fato de o Brasil ter duas casas no Congresso (Câmara e Senado) também torna o trabalho mais difícil, pois há sempre divisão entre os poderes Executivo e Legislativo. Em países parlamentaristas, onde a divisão é menor, é muito mais fácil implementar mudanças.
Mas, mesmo assim, ainda é possível realizar algumas coisas. A primeira providência é fazer escolhas.
(FCz e NB)

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