São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Estatais remam contra a eficiência

NELSON BLECHER; FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Estatal eficiente é estatal privatizada. É o que se conclui de depoimentos de empresários e consultores envolvidos com tentativas malogradas de reengenharia nas empresas do Estado.
O banqueiro Luiz Cezar Fernandes, do Pactual, prega que o processo seja iniciado nas privatizações. "O governo deveria criar um Ministério próprio com metas e premiações para quem privatizar mais rápido e pelo melhor preço."
"Se o Estado não sofrer uma reforma gerencial não haverá nem estabilidade, nem futuro", diz Paulo Cunha, presidente do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).
"O corporativismo é um obstáculo fantástico", aponta Antonio Ermírio de Moraes, que comanda o Votorantim, maior grupo privado do país. "A resistência não é declarada", emenda o consultor Dino Mocsányi.
Estabelecer concursos para impedir funcionários fantasmas é providência recomendada por Ermírio de Moraes.
A outra é confrontar as estatais com a verdade de balanços. "A reengenharia não pode ser promovida por decreto. É um processo educacional de longo prazo."
Para inocular competitividade, ele sugere parcerias com a iniciativa privada em projetos paralisados por falta de verbas.
"A cultura das estatais não favorece mudanças", afirma Letícia Costa, vice-presidente da Booz Allen. A consultoria foi convocada para tonificar os músculos de uma estatal com cinco mil funcionários, ameaçada de perder o monopólio —caso único em que essas empresas se mexem.
Um mandamento da reengenharia impõe comprometimento da cúpula. "Nesse período, houve mudanças de diretoria", conta ela. Rotinas inovadoras de trabalho foram recebidas com má-vontade. "Em relação ao esforço despendido, o resultado foi nulo."
"Quase nenhum bom conceito chega inadulterado ao final da consultoria", testemunha João Bosco Lodi. "Vejo alguns projetos de reengenharia serem concluídos quando muito pela implantação de programas de computador."
Não bastasse isso, Lodi diz que os próprios consultores, temendo inadimplência, cobram antecipado e em dobro.
Um levantamento recentemente divulgado pela Arthur Andersen revelou que apenas 1% das companhias privadas não planejam introduzir este ano novos métodos para aumentar a competitividade.
Ninguém questiona a necessidade de intervenção semelhante na burocracia estatal. Mas isso é viável?
"No relacionamento com o governo, fazer diagnóstico é fácil. Difícil é implementar qualquer trabalho", diz Olga Colpo, diretora da Coopers & Lybrand. "Qualquer tomada de decisão demora cinco a dez vezes mais do que em companhias privadas."
Uma planilha de cargos, após a fusão de duas estatais financeiras, demorou dois anos para ser concluída —o prazo normal em joints privadas é de dois meses.
Quando estava à frente do BNDES, no governo Itamar, o empresário Luiz Carlos Delben Leite tentou reduzir de 270 para 150 dias o prazo de análise de um projeto. O processo levou cinco meses e não decolou.
"Nenhuma mudança é feita se não agradar o terceiro escalão", afirma Olga. Letícia Costa dá uma pista: "A reengenharia leva à redução de quadros." O círculo do poder está submetido às pressões.
Na substituição de diretores de empresas controladas pelo BNDES, diz Delben Leite, indicações de políticos prevalecem sobre critérios de competência técnica."Houve ocasião em que o presidente da República determinou que se acatasse a indicação."
(Nelson Blecher e Fernando Canzian)

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