São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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O ministro Nelson Jobim e as medidas provisórias

SANDRA STARLING

O ministro Nelson Jobim é um homem surpreendente. Ele consegue manter a fama de constitucionalista emérito e, ao mesmo tempo, produzir proposta tão estravagante quanto a da edição de um decreto, pelo Executivo, autolimitando seu poder de baixar medidas provisórias.
Segundo se noticiou, além de proibir que as MPs tratassem de matéria de competência exclusiva do Congresso Nacional, entre outras, elas só poderiam ser utilizadas quando caracterizado o "estado legislativo de emergência", ou "situação de extrema urgência, depois de esgotadas todas as tentativas de estimular o Congresso a votar um projeto de interesse do governo".
Numa tentativa galhofeira de entender as estranhas novidades emanadas do Ministério da Justiça, seria o caso de especular sobre a existência de um poderoso feitiço na cadeira de ministro da Justiça, capaz de levar os titulares à produção de numerosas trapalhadas, à imagem e semelhança das que marcaram o finado governo Collor...
Mas o assunto é sério. E grave.
A proposta de Jobim revela, em primeiro lugar, um total desrespeito à autonomia e independência dos poderes, ou seja, ao Estado de Direito. Mais que isso, parece remeter ao tempo dos "déspotas esclarecidos", eles sim, com poderes para se autolimitarem. E não pára por aí. Revela também desprezo profundo pelas competências constitucionais, na medida em que afirma que as medidas provisórias não poderão incidir sobre as matérias reservadas ao Congresso Nacional. Será que o ministro imagina que só um decreto presidencial pode dar força ao que dispõem os artigos 49, 51 e 52 da Constituição Federal, relativos às competências exclusivas do Congresso, da Câmara dos Deputados e do Senado?!
Não há, ademais, conhecimento de precedente em relação à regulamentação da Carta Maior por via de decreto. Segundo a melhor doutrina, decretos só têm cabimento quando expressamente previstos ou em certas hipóteses em matéria administrativa.
Por último, ao inovar com o tal "estado legislativo de emergência", Jobim revela uma concepção tutelar nas relações entre o Executivo e o Legislativo. Como consequência estaria liquidando, numa penada, o legítimo direito de obstrução pelas minorias programático-ideológicas ou meramente contingenciais. O Executivo passa a ser juiz da conveniência de notação no âmbito do Poder Legislativo. Total inversão de valores. O Estado de Direito vigoraria apenas na fachada. Mais sinceros e diretos foram os que, entre 1964 e 1979 tomaram para si todo o poder através dos Atos Institucionais.
Que o ministro não prossiga a exibir seus pendores autocráticos. Queremos sim, restringir a edição de medidas provisórias, mas pela ação do próprio Congresso Nacional.
Talvez fizesse bem a Jobim deixar aquela enfeitiçada cadeira de ministro e voltar a ser o Jobim constitucionalista. Para isto, bastaria que ele pedisse ao Congresso o exame, em caráter de urgência, de seu próprio projeto, apresentado durante o governo Collor, restringindo, sem ferir a Constituição, a edição das medidas provisórias.

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