São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Mulher deixará de ser mãe no próximo século

WALTER CENEVIVA
<UN>DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Na semana em que se festeja o Dia Internacional da Mulher o tema se impõe naturalmente para quem comenta assuntos jurídicos de atualidade. Feita a opção, surge o problema de como considerar o assunto de modo não repetitivo do muito que se tem escrito. Uma solução consiste em lançar olhos sobre a evolução dos direitos da mulher no próximo século e até no próximo milênio, tanto em nível jurídico puro, quanto sob influência das transformações técnicas científicas que forçarão alterações substanciais no direito vigente.
A previsão mais ousada (na qual, aliás, nem sequer tenho o mérito da novidade) pode ser dita numa frase: no terceiro milênio e talvez já no século 21 a mulher deixará de ser valorizada por partejar seus filhos. Ela perderá os direitos (e os encantos) da maternidade. Hoje já se fala da reprodução assistida, do embrião criado em proveta e implantado no ventre feminino. No futuro até o ventre será substituído. Um sistema laboratorial permitirá o desenvolvimento da gestação completa, como Huxley previu em “Admirável Mundo Novo”.
A segunda previsão é menos ousada. Os seres humanos adotarão comportamento comum entre os irracionais. Talvez seja uma involução, um retorno ao primitivo, mas é possível admitir, depois das mudanças deste século, que as mulheres substituirão os homens no trabalho fora de casa. Eles cuidarão dos filhos, gestados nos laboratórios.
Para o operário do direito as duas previões propõem dificuldades graves, pois levam-no a discutir como ficarão os deveres legais de companheirismo, de mútua assistência e de fidelidade, próprios do casamento, enquanto vínculo voluntário entre o homem e a mulher, além de célula essencial da família. A noção de família, de clãs é tão instintiva, que prevejo sua continuidade, embora modificada por novas formas de vida em comum.
Na minha previsão, o casamento, referendado ou não pelo Estado, subsistirá, mas voltará ao primeiro modelo bíblico, que não tinha a reprodução por finalidade essencial. O dever jurídico da aceitação do sexo entre os cônjuges, no futuro, será pelo próprio prazer dele, sem relação com o “fazer filhos”. Nesse ponto, as previões de Huxley me parecem erradas. Há quem diga que a maçã tentadora, proposta pela cobra demoníaca, teria sido o sexo, mas nada indica que este fosse liberado apenas para fins reprodutivos.
A diferença estará no cuidado da casa e da prole pelo homem ou pelos homens e na aceitação da poligamia feminina. Esta Folha noticiou há algum tempo a história de uma senhora nordestina e de seus três maridos, todos sustentados pelo trabalho dela, talvez uma abelha rainha vinda do futuro, para amostra das novas relações familiais.
O principal motivo de valoração da mulher não mais decorrerá de sua condição de mãe e de sua presença efetiva na base familiar. Os poetas perderão um tema, mas elas terminarão impondo seu juízo adulto sobre os fatos da vida econômica e política. Assim será porque só a mulher chega à idade adulta, enquanto no homem sempre subsiste, até no seu pavoneamento imponente, uma dose de infantilidade rústica.
O leitor não se preocupa em criticar estas previsões. Em vez de nos afligirmos com o acerto delas (ou com seu absurdo) comemoremos juntos o dia da mulher. Mulher cujo encanto, inteligência e imprescindibilidade provam que Deus, afinal, existe.

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