São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Arida descarta erro do BC e denuncia especulação

(continuação)

CONTINUAÇÃO

Folha - A crise está resolvida?
Pérsio Arida - Está. Houve um ataque especulativo contra o Plano Real. Reagimos à altura e cortamos o mal pela raiz.
Folha - Por que considera que a crise não volta?
Arida - Depois das medidas que anunciamos para a manhã de sexta-feira, quando o mercado abriu, a cotação do dólar caiu a quase R$ 0,86. Aí, nós entramos comprando a R$ 0,88. E tivemos que fazer sete leilões de compra. Isso liquida a pressão especulativa de alta do dólar. A alta da bolsa não pode ser mais eloquente.
Folha - Essa nova banda de R$ 0,88 a R$ 0,93 é a que o BC queria chegar desde a segunda, quando mudou o câmbio?
Arida - É. A taxa limite efetiva era R$ 0,93. Tanto é que nós nos comprometemos a vender a R$ 0,93 em 2 de maio. Agora, para tornar isso mais claro, nós fixamos esse teto. É R$ 0,93 por dólar, mesmo.
Folha - E quando esse teto passa para R$ 0,98?
Arida - Não passa. Esta banda vai durar muito e muito tempo. Olha que eu disse dois muitos. Esse teto de R$ 0,98 morreu, acabou. Nós pensávamos de fato num avanço gradual da banda , mas até chegar ao limite de R$ 0,93. Ocorre que esta semana foi muito nervosa nos mercados internacionais. Por isso, nós achamos melhor aclarar e colocar rigidamente todos os parâmetros de atuação, para tirar qualquer tipo de incerteza.
Folha - Isso foi decidido na noite de quinta para sexta?
Arida - Sim.
Folha - O BC descredenciou o Banco Safra como "dealer"?
Arida - Não posso confirmar nem desmentir nomes. Mas o BC descredenciou vários "dealers".
Folha - Por causa da atuação deles nesse episódio?
Arida - Tem a ver com infrações no comportamento dos "dealers". O descredenciamento é o primeiro passo. E o BC vai estudar processo que pode levar à cassação da carteira de câmbio dessas instituições.
Folha - Qual foi o problema? Esses "dealers" usaram informações privilegiadas ou participaram do ataque especulativo?
Arida - Não há caso de informações privilegiadas. É outro problema. O "dealer" tem uma forma de comunicação com o BC. Ele não pode usar a forma de comunicação com o BC em seu próprio benefício. Aliás, vamos acabar com todo essa prática. A idéia é que o sistema seja todo eletrônico, de comunicação direta, de modo que todas as informações estejam disponíveis para todas as instituições.
Folha - Foi a atuação desses "dealers" que serviu para complicar o mercado?
Arida - Sem dúvida.
Folha - O BC admite que errou na nova política?
Arida - O BC falou duas coisas muito claras, na segunda-feira dia 6. Tinha um teto de R$ 0,90 por dólar, agora, e disso não passaria. Mais para a frente, o BC sinalizou com um teto de R$ 0,93. Sinais muito claros. E o BC agiu absolutamente de acordo com o que falou. Não deixou passar de R$ 0,90 e fez leilões se comprometendo a vender a R$ 0,93 em 2 de maio.
Folha - Houve então um problema de comunicação entre a mesa de operações do BC e os "dealers"?
Arida - Circulares do BC podem suscitar uma ou outra dúvida de interpretação. É normal na vida legislativa. O que não faz sentido algum é de um problema de comunicação, se é que houve, decorrer um ataque especulativo contra o BC, como ocorreu.
Folha - Mas a informação que circulou no mercado foi que na reunião entre o senhor e os "dealers", na terça, dia 7, a política não ficou clara.
Arida - Mas nós achamos que tinha ficado claro. E eles podiam ter perguntado.
Folha - O que eles dizem é que o senhor passou a mensagem de que a banda era fixa, mas podia mudar, portanto ninguém sabia pra onde ia.
Arida - Volto a insistir. Todo mundo sabia que tinha um teto. Estava escrito que era R$ 0,90.
Folha - Mas como e onde apareceu a interpretação de não tinha teto?
Arida - As pessoas podem ter feito interpretações diferentes da circular. Mas dúvidas sobre uma circular não podem desencadear um movimento de pânico como o de quinta. Obviamente, tem mais coisa do que dúvidas sobre a circular.
Folha- Essa ação de descredenciamento de "dealers" indica que o BC atribui grande parte da especulação a esses "dealers"?
Arida - O banco não atribui nada. Os "dealers" tem regras de comportamento que devem ser cumpridas. É isso que vamos verificar.
Folha - Qual problema a desvalorização pretendeu evitar?
Arida - Uma diminuição muito rápida das exportações.
Folha - Mas o próprio governo vinha dizendo que as exportações estavam retomando. Estão ou não estão? Porque se estão, por que fazer a desvalorização neste momento?
Arida - As exportações estão voltando. Desde o começo deste ano, o BC adotou medidas de estímulo às exportações, dando vantagens financeiras para os exportadores. Continuamos nesse processo e fizemos agora mais uma medida.
Folha - A desvalorização do real?
Arida - É. Essa palavra, desvalorização, não é boa. As pessoas logo pensam em 30%, 40%, números que não fazem o menor sentido no contexto brasileiro.
Folha - Mas em que momento foi tomada a decisão de desvalorizar?
Arida - Foi uma decisão longamente amadurecida. Já estávamos prontos para fazer isso em dezembro, quando houve a crise mexicana. É evidente que a situação brasileira é completamente distinta da mexicana, mas por prudência decidimos adiar para que não houvesse confusão entre os dois problemas. Uma coisa é nosso movimento cambial, pequeno, limitado e preventivo. Outro é um processo de piora depois de déficits nas contas externas muito altos e por muitos anos, o caso mexicano. Nós não tivemos déficit em 1994, estamos preocupados não ter déficit ou ter um déficit muito pequeno em 1995. Mas se as atitudes fossem simultâneas, embora respondendo a situações diferentes, podiam ser interpretadas como apresentando o mesmo problema.
Folha- Que contas o governo fez para chegar à conclusão que a desvalorização de 6% ou 7%, implícita na atual banda, é suficiente?
Arida - Não queríamos que dólar ficasse baixo demais, e também queríamos evitar os efeitos de uma mudança muito súbita no valor do dólar. Essas coisas dependem das circunstâncias.
Folha- De sexta-feira, 3 de março, para a sexta-feira, 10, nós estamos com uma banda cambial com uma desvalorização de 7% no real, uma crise de confiança (ou ataque especulativo), perda de reservas, e uma taxa de juros muito mais alta. Qual foi o ganho?
Arida - A taxa de juros está alta circunstancialmente. Vai cair mais à frente. A apreciação na taxa de câmbio é positiva. Essa banda é muito melhor para as exportações. Foi um grande ganho. E as perdas de reservas serão revertidas em mais alguns dias. Já na sexta recompramos uma parte expressiva das reservas e a a um preço inferior ao que havíamos vendido.
Folha - E quanto aos efeitos adversos do câmbio mais alto, o de dificultar as importações e trazer pressões de alta de preços?
Arida - A pressão de preço é negligenciável. Nós não vamos mexer em tarifas públicas, em particular não vamos mexer no preço da gasolina. Não há motivo para isso. O preço da gasolina foi convertido para real na base de um real igual a um dólar. E o preço caiu só 2% quando o dólar caiu 17%. Não há por que subir agora, quando o dólar se aprecia 7%.
Folha - Mas e o preço dos outros produtos importados, que forçaram queda de preços até aqui? Houve medidas de desestímulo às importações.
Arida - Olha, eu faço uma aposta como as importações continuarão elevadas mesmo depois da mudança no câmbio.
Folha - Mas havia uma expectativa de que o governo só mexeria na taxa de câmbio depois de ter encaminhado as reformas e o ajuste fiscal.
Arida - Não, é necessário avançar em várias frentes. E estamos avançando também nas reformas. Claro que o que interessa é um regime fiscal permanente. No entretempo, você tem que manejar todos os instrumentos, cambiais, monetários e fiscal.
Folha - O consumo está muito elevado?
Arida - Sim. Tomamos providências, vamos ver o efeito, se for necessário tomaremos novas medidas de contenção.

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