São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Imperícia rara de se ver

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quarta-feira
Indagado se a Bolsa poderia reagir ou ia continuar caindo, um operador respondeu: "Assim, o pregão desaba para o Metrô."
Uma linha do metrô passa por baixo do prédio da Bolsa paulista, que caiu 9,64% no dia.
Quinta-feira
"Como o BC está operando?", perguntou o jornalista. "Biblicamente", respondeu um operador, que completou: "Escreveu Matheus, estou dando de beber a quem tem sede". Foi o dia em que o Banco Central realizou 32 leilões de venda de dólar e gastou, avalia o mercado, entre US$ 4 bilhões e US$ 5,5 bilhões.
Sexta-feira
Conversa entre dois operadores:
"Você sabe que mesas ganharam mais nesta semana? A do Incor e a do Pró-Cardíaco".
Os comentários ilustram o que foi a semana em que US$ 2,1 bilhões deixaram o país. Foram 48 intervenções do BC no mercado de câmbio. O BC vendeu US$ 6 bilhões e conseguiu, sexta-feira, recomprar US$ 1,5 bilhão.
Parte das intervenções foi desastrosa. Era o BC vender para subir o preço do dólar e dos juros no mercado futuro.
O regime de "banda cambial" foi pensado para reduzir o grau de incerteza e de risco. Afinal, o câmbio só pode andar entre dois pontos previamente conhecidos.
No Brasil, o governo tentou criar uma "banda de transição" (só valia até 2 de maio), com um ponto médio arbitrado, sabe-se lá Deus como, em R$ 0,93, que desembocaria em uma "banda larga", que restringia o risco cambial em apenas 14%. Difícil imaginar porque não se entendeu corretamente um processo tão simples. Um processo que pretendia, com alguma sofisticação, desvalorizar o real.
No papel, era uma solução perfeita. Mas o papel não previu uma coisa chamada expectativa. Se a "banda" na sexta não muda, a semana terminaria com o câmbio próximo de R$ 0,85 —exatamente onde tudo começou.
Enfim, graças a uma imperícia rara de se ver, o Brasil quase consegue mais um feito econômico: seria o primeiro país do mundo a entrar em uma crise cambial dispondo de US$ 36 bilhões em reservas. Parabéns.

Hoje, excepcionalmente, Luiz Carlos Mendonça de Barros não escreve esta coluna.

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