São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Respeito é bom e Congresso gosta

OSIRES LOPES FILHO
É impressionante o conjunto de propostas de emenda à Constituição já enviadas ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo.
Tais propostas, numeradas de três a sete, envolvem a mais significativa alteração da ordem econômica vigente no país.
As propostas encerram muitas fraturas dos monopólios e das medidas de proteção ao empresariado nacional atualmente em vigor. Possibilita-se a extinção da reserva de mercado para os armadores nacionais, na navegação de cabotagem e interior; abre-se à concessão de serviço público a distribuição dos serviços locais de gás canalizado; permite-se às empresas estrangeiras a pesquisa e a lavra de recursos minerais do país; quebra-se o monopólio da União na pesquisa e lavra do petróleo e derivados, no seu refino, na sua importação, na sua exportação e no seu transporte, permitindo-se a colaboração nessas atividades de empresas privadas, de capital nacional ou estrangeiro; suprime-se a exclusividade das empresas estatais na exploração dos serviços de telecomunicações; elimina-se a distinção entre empresa brasileira e de capital nacional. Fragiliza-se a Petrobrás, a Telebrás e a Eletrobrás.
A fissura nos monopólios estatais e a abertura aos capitais privados, nacionais e estrangeiros, é ampla, inclusive em atividades estratégicas para a manutenção e fortalecimento do poder nacional.
Preocupante é essa abertura em um momento em que o exemplo eleito pelos países desenvolvidos e organismos internacionais como adequado para o Terceiro Mundo —o México— passa por um terremoto econômico e social, em grande parte causado por este receituário neoliberal.
O Brasil começa a viver os sintomas mais agudos do início da crise cambial. A fase idílica do Real acabou.
Examinando as exposições de motivos que encaminham tais propostas de emenda à Constituição, verifiquei que se utilizou uma palavra aparentemente elegante para expressar a quebra dos monopólios estatais, que já foram esteios da nacionalidade e do poder nacional e, ainda hoje, desempenham papel de relevo na economia brasileira.
O problema da flexibilização é que, quando a posição anterior é altaneira, vertical, durante o aperto, a dificuldade, pode ser que a nova posição implique se curvar tanto que se termine de joelhos.
Infelizmente, o defeito dessas emendas não está no seu conteúdo, mas sim na forma pela qual foram apresentadas ao Congresso. Características marcantes dessas exposições de motivos são a sua singeleza franciscana e a sua sinteticidade lacônica.
Há mais de uma exposição de motivos composta apenas por três parágrafos: um de saudação; outro de breve apresentação da proposta de emenda; e um terceiro, de despedida solene. Todas as justificativas podem receber um adjetivo comum: exíguas.
Confesso que fiquei perplexo diante de tamanha economia. E temeridade. Propor alterações substanciais na ordem econômica nacional sem uma justificação adequada, sem explicitação dos argumentos que baseiam a proposição, revela ou um enorme despreparo de quem a redigiu, ou uma segurança absoluta de sua aprovação, desprezando-se os cuidados necessários para salvar a face do Congresso.
Cheguei a pensar que a explicação estivesse na opção feita anteriormente pelo presidente. Entre Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas, como modelos de estadistas, a escolha do presidente anunciada pela imprensa foi pelo primeiro. Lendo tais exposições de motivos, vejo que se a inspiração foi de Juscelino, só pode ter sido da sua fase adolescente, quando foi telegrafista.
O que impressiona no atual quadro político brasileiro é que a tão decantada democracia está longe de se consolidar. São poucos os centros de poder. O ideal de uma sociedade pluralista está longe.
A pressa, a falta de divulgação, a ausência de discussão, o modo imperial e impreciso com que se comunicou à nação a profunda revisão do papel do Estado na ordem econômica, evidenciam a total despreocupação com a opinião pública e o alijamento dos entes da sociedade civil organizada do processo democrático.
Mais uma vez tem-se a repetição da antinomia característica das nossas lideranças. O discurso é generoso, mas a ação é mesquinha. E, por isso, é de se aconselhar ao governo, que pelo jeito já desistiu de respeitar o povo, a Constituição e os seus eleitores, que ao menos respeite e auxilie a sua base parlamentar. O Congresso apreciará.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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