São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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A flexibilização cambial

CARLOS GERALDO LANGONI

Como havíamos antecipado, a contínua deterioração das condições do mercado financeiro internacional acabou forçando o governo brasileiro a abrir mão da âncora cambial. Os seguintes fatos explicam o "timing" da flexibilização:
a crise política do México, com a virtual implosão do PRI, sugere que a implementação do ajuste econômico recessivo será extremamente complexa, com riscos reais de desestatização social;
- a Argentina continua sofrendo um duplo ataque especulativo: ao peso e aos bancos. É difícil saber por quanto tempo conseguirá resistir sem adotar medidas heróicas como dolarização total e congelamento de depósitos;
- a possibilidade de nova elevação nas taxas de juros nos Estados Unidos, tendo em vista o enfraquecimento do dólar nos mercados internacionais;
- no plano doméstico, as perdas de reservas seguiam tendência perigosa alimentada pela saída líquida de capitais financeiros e déficits na balança comercial.
Nesse quadro difícil, seria extremamente arriscado postergar o ajuste cambial à espera, por exemplo, da aprovação das reformas estruturais pelo Congresso.
O pior momento para uma desvalorização é quando o mercado percebe que o nível de reservas já atingiu um patamar perigosamente baixo: essa é uma das lições mais importantes da crise mexicana.
Com o câmbio flexível será possível gerar um superávit comercial na faixa de US$ 5 bilhões e manter o déficit em conta-corrente em torno de 2% do PIB (Produto Interno Bruto), nível que poderá ser financiado sem perda adicional de reservas internacionais.
Existem dúvidas em relação à forma como a nova política cambial está sendo implementada: o anúncio de bandas e datas prefixadas para alteração das faixas gerou confusão operacional e induziu o mercado a antecipar os níveis superiores da desvalorização.
Na prática, portanto, ao invés de conseguir um ajuste gradual e suave, o Banco Central precipitou uma elevação descontínua, além de comprometer parte expressiva de suas reservas em maciças intervenções.
Teria sido mais simples anunciar a flexibilização sem formalizar as bandas, especialmente nesse difícil momento de grandes incertezas no mercado financeiro internacional.
Revisão, nas faixas prefixadas, afeta a credibilidade do governo. Aliás, mais cedo ou mais tarde, será necessário abandonar o limite superior arbitrário de um dólar.
Parece também inevitável a elevação dos juros reais e a imposição de controles mais estritos em certas formas de remessa de capitais, até que a turbulência externa esteja amenizada.
A alteração cambial terá necessariamente impacto inflacionário que dificilmente poderá ser neutralizado pelas medidas emergenciais no plano fiscal. Há a questão delicada das tarifas públicas e será impossível evitar alguma elevação nos preços dos importados que vinham funcionando como importante fator deflacionário.
De qualquer forma, é o custo inevitável para evitar o mal maior de uma crise cambial que poderá jogar o país no precipício recessivo.
O novo cenário aponta para uma inflação mais alta e crescimento mais baixo. A intensidade dessas alterações dependerá crucialmente do desdobramento da crise argentina, cujas expectativas foram, aliás, aprovadas pelo Plano Real, sacrificando o objetivo da rápida contenção da inflação, voltando-se a privilegiar o equilíbrio externo.
Nesse novo "mix" de política macro o Brasil amplia sua capacidade de absorver novos choques externos, afasta-se da estratégia mexicana e argentina e fica mais parecido com o Chile. Aumentam as chances de ultrapassar, sem grandes perdas, a turbulência financeira internacional.
Uma última observação: mais do que nunca é agora essencial avançar no campo das reformas estruturais, especialmente na área fiscal, da Previdência Social e da privatização, cujo impacto positivo sobre a poupança doméstica representa a única forma sólida de sustentar o crescimento tornando-o menos dependente dos fluxos externos.
É simplesmente suicídio fundamentar uma estratégia de desenvolvimento em capitais voláteis de curto prazo. O desafio é voltar a atrair o investimento estrangeiro direto cuja motivação principal é a rentabilidade do longo prazo e não a arbitragem especulativa.

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