São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Diminuir o "risco Brasil"

ANTONIO KANDIR

Ao alargar e formalizar as bandas de variação cambial, abrindo espaço para certa desvalorização do real frente ao dólar, o governo brasileiro mostrou capacidade de antecipar-se ao agravamento potencial da situação externa do país. Seguiu a máxima de que ajuste no câmbio é como ida ao dentista: quanto mais se atrasa, pior.
O risco de o país permanecer na trajetória que se vinha desenhando, de déficit crescente em transações correntes e, portanto, de dependência também crescente de capitais externos voláteis, era proporcional ao risco que os investidores internacionais atribuem ao Brasil em comparação a outros mercados.
Depois da crise mexicana, o fluxo para países de alto risco começou a escassear, e o Brasil, como se pode ver na tabela, a despeito de todos os avanços que fizemos, continua a figurar entre os países "arriscados", logo abaixo do México, imediatamente acima da Argentina e significativamente acima de países recém-chegados ao capitalismo, como Polônia e Hungria.
Pode-se argumentar que a posição do Brasil no "ranking" reflete certa miopia, certo equívoco na percepção dos investidores externos, mas, nesse caso, o argumento é inútil. Vale antes o ditado a respeito da mulher de César: "Não basta ser virtuosa, é preciso parecer virtuosa".
Para preencher ambos os requisitos, o ajuste na política cambial foi passo importante, ainda que sua implementação venha-se processando inicialmente aos solavancos.
O ajuste cria, no que depende do Brasil, as condições reais para um resultado adequado da balança comercial e indica de modo claro a diferença de trajetória entre o processo de estabilização no Brasil e em outros países do continente. Mas o ajuste da política cambial não é o bastante para nos livrarmos de uma pecha que tem custos muito elevados. Vejamos que custos são esses.
Enquanto não diminuir de modo importante o risco que nos é atribuído, haverá pouca liberdade para reduzir significativamente a taxa de juros interna, sob pena de acentuar a fuga de capitais. De outro, porque as empresas brasileiras, encontrando dificuldades, como de fato vêm encontrando, para reciclar créditos obtidos no exterior, voltam-se para o mercado doméstico, forçando a taxa de juros para cima.
Taxas de juros persistentemente elevadas corroem por dentro o esforço de equilibrar as contas públicas, uma vez que elevam os gastos com pagamento do serviço da dívida mobiliária interna. Como não se pode baixar irresponsavelmente a taxa de juros, o governo se vê obrigado a fazer uma feroz repressão fiscal, não gastando sequer o suficiente para manter a infra-estrutura existente em áreas básicas, como saúde, educação e transportes.
Daí a necessidade de melhorarmos no "ranking" de risco dos investidores, não por razões "externas" ao país, mas por razões que dizem muito de perto à maioria dos brasileiros.
Para tanto, o ajuste da política cambial ajuda, mas o passo decisivo é a reforma da Constituição. Se ela for bem-sucedida, vamos cair muito num "ranking" em que nos interessa estar bem lá embaixo.

Texto Anterior: A flexibilização cambial
Próximo Texto: Defesa do consumidor; Empregado doméstico; IOF- Restituição; Créditos; Carros populares; Salário-maternidade; Escrituração de notas fiscais
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.