São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Governo opta por "arroz com feijão", diz secretário

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A desvalorização do real faz parte de um conjunto de medidas que vem sendo adotadas pelo governo desde janeiro.
O objetivo é reduzir o consumo e os gastos públicos de modo a permitir que o setor privado tenha espaço para a retomada dos investimentos. A afirmação é do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros.
Falando por telefone da sede do Banco Central (BC) em Brasília no final da tarde de sexta-feira, Mendonça de Barros diz que "o governo decidiu fazer mesmo uma coisa mais simples, mais arroz com feijão" e mudou a "banda" cambial.
Na nova "banda", o preço do dólar pode variar do mínimo de R$ 0,88, seu "piso", até o máximo de R$ 0,93 (o "teto"). Segundo ele, ela foi adotada para garantir a desvalorização do real e vai permanecer por muito tempo.
A fórmula anterior, anunciada na segunda-feira, teve uma "comunicação complicada e, temos que reconhecer, criou um ruído". Para azar do governo, completa, as mudanças aconteceram em "uma semana de cão no mercado mundial". A crise argentina se agudizou e o dólar despencou no mercado internacional frente ao marco alemão e ao iene japonês.
O que o governo pretendia era transitar para uma "banda larga" (que ia de R$ 0,86 até R$ 0,98 a partir de 2 de maio), com um ponto médio de R$ 0,93. Mas, reconhece, "ficou confuso".
Os compradores
Mendonça de Barros qualifica cada um deles: 1) "os bancos arbitradores", que compram e vendem juros e dólar buscando arbitrar a diferença; 2) "os que, assustados, remeteram o dinheiro para fora do país. E saiu mesmo. Este personagem envolve uma gama de operações que vai desde mandar dinheiro para a filial argentina até o cumprimento de ordem da matriz para 'zerar' sua posição no Brasil"; 3) os "hegders", que procuraram proteção contra o risco cambial.
Para ele, o movimento dos "hegders foi o que mais pesou na quinta-feira." Dia em que o BC realizou o número recorde de leilões de venda de dólares: 32.
As medidas
Mendonça de Barros não quis especificar em números o peso de cada um desses personagens. Mas, segundo avaliação do mercado financeiro, na última semana, o BC vendeu US$ 6 bilhões. Destes, US$ 2,1 bilhões deixaram o país.
O secretário afirma que o pacote de medidas, costurado na madrugada de sexta-feira, procurou "atender a estes três personagens".
A elevação dos juros e a redução da posição de dólares que os bancos podem comprar sem ter que depositar no BC "pune o especulador". A venda de títulos cambiais, corresponde a necessidade de oferecer instrumentos de proteção. "E, para quem se assustou, estamos oferecendo vantagens para que os recursos fiquem no país." Uma delas é a redução ou isenção (dependendo do caso) do pagamento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
Desindexação
Mendonça de Barros diz que o governo continua perseguindo a desindexação da economia. "O câmbio não está indexado ao juro", diz.
O trabalho da taxa de juros é o de calibrar o preço do dólar dentro da "banda", explica.
Assim, quanto maior for o juro, mais perto do "piso" de R$ 0,88 estará o dólar e, inversamente, na medida em que o juro cai, o preço do dólar pode subir até o "teto" de R$ 0,93.
Hoje, depois da elevação dos juros promovida na sexta-feira pelo próprio Banco Central (BC), a tendência é de o dólar correr no "piso" da "banda". Foi o que aconteceu na sexta.
Inflação
A tarefa do governo agora é, segundo ele, trabalhar para que a desvalorização do real seja efetiva —não sendo repassada aos preços e aos salários. Ou, como preferiu dizer o secretário, "que a desvalorização não seja lavada pela correção de preços".
Mendonça de Barros afirma que "não haverá reajuste automático das tarifas públicas" por conta da mexida no câmbio.
Para ele, desde que o governo consiga "controlar as expectativas e acalmar a demanda por dólares, como está acontecendo hoje (sexta-feira)", o impacto da desvalorização não será forte nos índices de preços.
Na área de serviços, não há razão para subir os preços. "Ninguém paga salários em dólar", afirma. Já no caso das mercadorias, ele pondera que o impacto vai depender "da concorrência", que poderia freiar os repasses automáticos.
Mendonça de Barros diz, porém, que o governo trabalha com a expectativa de alguma alta dos índices. "Temos uma série de reajustes sazonais. Agora, aluguel e mensalidades escolares. Depois, vai vir a pressão do vestuário e, mais para a frente, a entressafra (de alimentos)."
Nível de atividade
Segundo o secretário, a desvalorização não deve alterar o nível de atividade da economia, embora, ressalte, que seu impacto ainda não esteja claramente definido.
"O efeito renda (o real perdeu valor de compra vis a vis ao dólar) será negativo, mas o efeito do preço para o setor exportador será positivo."
Na prática, a aposta possível é: a retomada das exportações pode compensar a queda da atividade que se fabrica com a desvalorização do real.

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