São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Juros passam a ser 'âncora' do real

JOSÉ ROBERTO CAMPOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Para além do pânico e da confusão criados pela nova política cambial em sua estréia, seu objetivo era prosaico: estreitar o caminho da saída de dólares e alargar a via de ingresso. Os efeitos sobre a economia interna, subalternos diante da meta de isolá-la da destruição provocada pelo vendaval mexicano, são negativos —alguma pressão sobre a inflação e alguma redução na taxa de crescimento.
Os exportadores terminaram a semana retrasada com um piso informal de compra do dólar de R$ 0,83 e chegaram anteontem com um piso intransponível e formal de US$ 0,88 —uma desvalorização de 6%. Este é o empurrão que receberam para vender mais ao exterior e esta é a magnitude do aumento que recebem os importados.
A primeira banda, a faixa de flutuação do câmbio entre R$ 0,86 e R$ 0,90, desafinou. À confusão operacional do BC —atribuída a divergências entre Pérsio Arida, presidente do banco, e Gustavo Franco, diretor da área internacional do BC e responsável pela política cambial— somava-se o instinto natural do mercado —testar a consistência e os limites da banda.
Ela foi implantada sem que se mexesse em juros ou dispositivos de remessa de capitais. Foi rompida depois de 32 leilões, abandonada e a nova faixa de flutuação incluiu o que estava faltando.
A situação da qual parte a nova banda não é idêntica à que foi deixada pela primeira tentativa. No meio do caminho, o BC vendeu cerca de US$ 6 bilhões (comprou reais) e resgatou US$ 3,5 bilhões (vendeu reais). O resultado é um encolhimento do dinheiro em circulação de US$ 2,5 bilhões, algo próximo de R$ 2,2 bilhões. Isto equivale, a grosso modo, a 12,7% da total da moeda em poder do público mais reservas bancárias.
O eventual freio ao consumo e o estímulo para aplicações financeiras vêm dos juros que o BC determinou. A taxa efetiva over (a primária a partir da qual se formam as outras) saltou de 3,23% ao mês antes da nova banda, para 4,25% ontem. Os juros do CDI, que medem o custo do dinheiro na troca entre os bancos, subiram em maior proporção, de 3,31% para 5,02%.
Como as taxas over e CDI costumam estar próximas, e na sexta se "descolaram", há sinais de menor disponibilidade de dinheiro. E é a partir do custo do CDI que se formam as taxas cobradas de consumidores e empresas.
Como o consumo tem sido impulsionado em grande parte pelo crediário, ele ficará mais caro, ao mesmo tempo em que as aplicações financeiras tornam-se mais atraentes. O custo de produção das empresas aumenta. Se o aperto não é suficiente para produzir uma recessão, pode provocar algum desaquecimento das atividades econômicas. E o encarecimento das importações, importante em si e como horizonte de preços dos produtos nacionais em alguns setores, colabora para isso.
Mas há outros fatores que vão na direção contrária. O provável crescimento das exportações puxa a atividade econômica, como o eventual aumento real do salário mínimo para R$ 100 em maio.
Ao trabalhar com bandas fixas, a taxa de juros ganha importância maior do que teve até aqui —o câmbio era a grande "âncora" do real. Enquanto as ondas de choque produzidas pelo México não passarem —o tempo neste caso é imprevisível— é certo que os juros reais (acima da inflação) não cedam significativamente. Com o pé no freio, a economia caminhará um pouco mais devagar, sem despencar na recessão, se a nova política cambial for bem sucedida.

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