São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Os movimentos místicos de uma máquina retórica

FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
ESPECIAL PARA A FOLHA

A reunião de três "Sermões de Cinza" do Padre Antônio Vieira (1608-1697) e "A Arte de Morrer" é a contraparte necessária do estudo de Alcir Pécora. Realiza, com rigor filológico do conhecedor, um outro tipo de operação crítica: a que apresenta, contextualizado, o autor em seu próprio domínio.
O texto foi estabelecido a partir de um cotejo com a "editio princeps dos Sermões", organizada pelo próprio padre, e a apresentação segura detalha o momento de sua elaboração.
O desencanto com as coisas do mundo remete ao estoicismo, mas a ênfase está na lembrança da morte como ocasião para salvação e reforma da conduta. O próprio padre vivia então o exílio branco romano (1669-1675), o desencanto não resignado com sua influência e prestígio em queda junto à corte portuguesa, decepção que nem mesmo a aprovação entusiástica das audiências do Vaticano e da rainha Cristina da Suécia abrandava.
Dois dos "Sermões de Cinza" foram pregados em Roma e o terceiro, que não chegou a ser pronunciado, foi escrito em Lisboa nos anos seguintes. Seu estilo particular, jogando com os extremos —a ameaça e o consolo, o mal e o remédio— usa e abusa das amplificações, dos oxímoros, servindo-se das demonstrações convincentes, convincentemente reviradas pelo avesso. A seleção de "A Arte de Morrer" propicia o contato direto com a máquina retórica de Vieira em movimento e oferece um caminho alternativo para sua obra, fugindo de atalhos mais conhecidos.

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