São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Fotos mostram herança negra

EDDY L. HARRIS
DO THE NEW YORK TIMES BOOK REVIEW

Uma mulher negra alivia o calor de um dia de verão debaixo do jato de um hidrante de um extintor de incêndio em Nova York. Um homem negro ensaboado toma banho no rio Níger.
Três homens negros sentados na varanda de um armazém na área rural do Alabama esperam alguma coisa acontecer. Quatro jovens negros sentados na entrada de um prédio esperam a chuva passar. Duas mulheres negras sentadas em cadeiras numa lavanderia de uma cidadezinha do Alabama esperam que suas roupas sequem.
Negros no Harlem oram numa igreja copta. Negros no Brasil fazem oferendas a Iemanjá. Negros participam de uma cerimônia de purificação do vodu haitiano. Negros no Mali participam da dança cerimonial kanaga.
O rosto de uma criança negra no Suriname, o rosto de uma criança negra em Nova York, o de uma mulher negra em Sta. Lucia, o de um homem negro na Etiópia.
Com imagens belíssimas, Chester Higgins Jr., fotógrafo do The New York Times, introduz o leitor no mundo dos filhos da África. Suas fotos, em Feeling the Spirit (Sentindo o Espírito), são tecnicamente excelentes e evocativas. Ele sabe captar os momentos.
Mas essas imagens não retratam apenas momentos. Elas não pretendem evocar o momento que antecedeu cada foto ou o que a seguiu, nem sequer o cenário amplo que rodeia o momento da foto.
Em vez disso, elas são dadas para que se possa ver as influências, tanto sutis quanto abertas, que a África exerce sobre seus descendentes espalhados pelo mundo, para entender as muitas maneiras pelas quais a África dotou seus filhos não apenas de determinadas cores de pele e tipos de cabelo, mas também de modos de ser que podem ser traçados desde várias gerações, até sua origem.
A alegria é hereditária. A paciência é hereditária —e parece que a pobreza também, assim como a infinita resistência dos negros pelo mundo afora. Algo tão simples quanto o sorrisão no rosto de uma garotinha parece ter sido transmitido a ela pela África, tanto quanto a cor de seus olhos.
Feeling the Spirit é um livro belíssimo, um grande livro de fotos, todas em preto e branco. Imagens do cotidiano às vezes difícil, às vezes alegre, às vezes doloroso de negros pelo mundo afora.
Mas Higgins não escolheu o caminho da pieguice. Nem uma única foto do livro evoca lágrimas. Isso banalizaria o efeito dessas imagens através do apelo às emoções, manipulando uma reação.
Em lugar disso, como Higgins afirma em sua introdução, ele segue a máxima de seu mentor, Cornell Capa, de que o papel da fotografia é mostrar... coisas a serem apreciadas e respeitadas.
Higgins revela o que já se viu, mas que talvez não se saiba: que há beleza no mundo negro, dignidade e uma força tremenda para suportar as dificuldades decorrentes da condição de negro.

"Feeling the Spirit — Searching the World for the People of Africa", de Chester Higgins Jr., Nova York, Bantam Books, 303 págs., US$ 50.

Tradução de Clara Allain

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