São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Pobreza atinge países do Norte e do Sul

CLÓVIS ROSSI
DO ENVIADO ESPECIAL

A Cúpula do Homem talvez marque os estertores da divisão entre o Norte rico e o pobre Sul, que foi o principal tabuleiro em que se jogou o xadrez da Guerra Fria entre capitalismo e comunismo.
É claro que a velha divergência ainda permeou os debates.
Mas "o corte Norte/Sul não mais define tudo", diz Átila Roque, do Ibase (Instituto Brasileiro de Análise Social e Econômica, dirigido pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho).
"As contradições do desenvolvimento se refletem tanto no Norte como no Sul de maneira muito parecida", afirma Átila Roque.
Os números da ONU mostram que, se os pobres do mundo são 20% da população total, no mundo desenvolvido "15% vivem abaixo da linha de pobreza".
Talvez por isso, a divisão agora, em vez de Norte/Sul, seja entre governos e sociedade civil, cuja representação está sendo crescentemente assumida pelas ONGs (organizações não-governamentais).
Mas é uma divisão ambígua, de amor e ódio, marcada pela rejeição e também pela aproximação.
Exemplo de aproximação: a intensa participação das ONGs brasileiras tanto no processo de discussão para a cúpula como na própria conferência. "Houve um salto de qualidade no relacionamento entre a sociedade civil e o Itamaraty", diz Roque.
Exemplo de rejeição: mesmo tendo participado de todo o processo preparatório, uma parte das ONGs (quase 400) rejeitou o documento final, considerando que ele "superestima" o papel das forças de mercado livre.
Aí tem-se claramente o retorno do conflito ideológico esquerda-direita dos anos da guerra fria.
Mas, assim mesmo, os contornos agora são diferentes, porque a bandeira social, supostamente patrimônio da esquerda, é também empunhada por um antigo bastião do capitalismo, o Banco Mundial.
O banco, em relatório para a cúpula, defendeu enfaticamente as reformas econômicas estruturais que as ONGs condenam mas enfatizou igualmente o aspecto social.
"Não se trata de uma coisa ou outra; ambas são igualmente essenciais", diz o relatório.
Mesmo o antigo grande Satã das esquerdas, o FMI (Fundo Monetário Internacional), admite que suas políticas austeras "não são sustentáveis por muito tempo, num contexto democrático, se não forem percebidas por todos como dirigidas ao progresso humano e social", diz Michel Camdessus, seu diretor-gerente.
Camdessus chegou a admitir que falta "um pilar social" ao ordenamento internacional, assentado apenas nos pilares monetário (o próprio FMI) e financeiro (o Banco Mundial).
O dia seguinte da cúpula vai ser exatamente a busca desse pilar social, mas depende menos dos governos e mais das ONGs, diz documento elaborado por dez organizações dinamarquesas.
"As impressões digitais que as ONGs deixaram no processo preparatório somente serão importantes se as organizações populares usarem o documento de Copenhague como plataforma para trabalhar pela justiça social, tanto nacional como internacionalmente, após a cúpula", diz o texto.
O documento leva a assinatura das dez ONGs dinamarquesas que hospederam suas congêneres estrangeiras durante a conferência.(Clóvis Rossi).

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