São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Favorece-me ou te devoro

A capacidade política de Fernando Henrique sofreu seu primeiro abalo considerável esta semana. A queda inicial na popularidade, a anistia ao senador dos calendários e o veto ao salário mínimo somaram-se nestes dias a reveses significativos, resultado de fracassos de iniciativas do próprio governo.
As tormentas de março abalaram a disposição inicial das peças do jogo arquitetado por FHC. A equipe econômica saberia manejar câmbio, juros e cortes no Orçamento até começarem as reformas estruturais. O Conselho Político daria um caráter mais digno às negociações com o Congresso —o diálogo entre governo e partidos diminuiria o espaço da fisiologia; o preenchimento de cargos públicos atenderia a critérios técnicos. Assim FHC pensou ter azeitado sua máquina.
No entanto, do mesmo modo como seus economistas parecem ter tropeçado na definição da banda cambial, o governo FHC não dimensionou com precisão a larga margem de concessões que a "política do possível" exige. Os congressistas ignoraram rituais e processos que o Planalto procurava implantar, desconfiaram do poder retalhado do time de líderes do governo no Congresso e começaram a gritaria por quem lhes encaminhasse demandas dentro do Executivo.
Houve revoltas nas bancadas do PMBD e PSDB. Os senadores governistas aprovaram o teto de 12% para os juros, escárnio inconsequente e entendido como sinal de que o Congresso vai cobrar caro o apoio ao governo. Ademais, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), complicou a votação da MP que permite tirar dinheiro da Previdência, a qual mereceu violenta oposição dos parlamentares.
Essas atitudes são reações ao aparvalhamento político do Executivo, que parece não possuir um centro de acompanhamento do Legislativo. A lei dos juros entrou na pauta de votação despercebida. Na Comissão de Constituição e Justiça, palco das solitárias vitórias de FHC esta semana, foi criado um empecilho devido à inabilidade técnica do governo. Uma das fórmulas consideradas para emendar a Carta de 88, a desconstitucionalização, talvez tenha de ser reavaliada.
A semana terminou em clima de aparente contemporização, mas essa calmaria sugere apenas que acabou de ruir a primeira versão da política governamental de relacionamento com o Congresso: o sistema com o qual FHC pretendia dar novo e mais transparente formato às negociações entre Executivo e Legislativo. Resta saber agora como o governo vai amainar o apetite parlamentar de forma digna. Por enquanto, ainda não se vislumbra alternativa para a tendência de a "política do possível" parecer cada vez mais com uma versão disfarçada do "é dando que se recebe".

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