São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 1995 |
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A moralização dos festivais
WASHINGTON OLIVETTO "A publicidade para festivais está acabando com os festivais de publicidade."(Gabriel Zellmeister) Escrevi para o Frank Lowe, do The Lowe Group, em Londres. Pra vocês, um resumo da estória: Querido Frank, Li que você, como presidente do júri de Cannes este ano, pretende impedir que publicidade fantasma seja premiada. Espero que você seja bem-sucedido nessa cruzada moralizante. Tenho especial carinho por Cannes. Em 24 anos de vida profissional, ganhei 43 Leões, sendo o primeiro com 19 anos de idade, todos com comerciais que primeiro disputaram o mercado para os seus anunciantes e depois disputaram festivais de propaganda. Tenho também uma certa frustração por nunca ter ganho o Grand Prix, mas a verdade é que todas as vezes que estive próximo dele fui vencido por peças melhores, o que não engrandeceu o meu ego mas engrandeceu a profissão. Só que de tempos para cá me desencantei com o festival. A presença de peças fantasmas, criadas só para o festival, e a postura de alguns jurados, que passaram a tratar o evento como um campeonato de futebol, onde o importante é ganhar, não importa se com um gol de mão ou feito em impedimento, distorceram a verdadeira função do evento, que é documentar e premiar o que de excelente foi produzido e veiculado pela propaganda mundial. Fui jurado em 1981 e 1985 e naquela época a postura era outra. Profissionais como Jay Chiat ou Alfredo Marcantonio, só para citar alguns, chegavam a ser mais rígidos e exigentes com os seus próprios países do que com os outros buscando total isenção. Infelizmente, as coisas mudaram: boa parte das peças premiadas nos últimos anos sequer existe, e alguns escândalos maiores ocorreram, como a premiação de comerciais de produtos inventados, pasmem, para o festival. Parece um trabalho escolar: "Já tenho uma idéia, agora preciso inventar o anunciante". No ano passado conversei com o John Hegarty, que esteve no Brasil e demonstrou a mesma preocupação, mas, depois do resultado final, creio que a intenção séria do John foi vencida pelo cinismo dos mal-intencionados. É difícil para quem está presidindo o júri controlar essa situação. Acaba sendo fundamental acreditar na palavra das pessoas, o que seria lógico num mundo civilizado, mas, infelizmente, isso está virando utopia e algum mecanismo de proteção precisa ser inventado. Sugiro a criação de uma comissão de ética em cada país, composta por dois ou três profissionais, que tenha a obrigação de fiscalizar este tipo de leviandade. Além da criação de uma categoria à parte, onde esse tipo de amadorismo poderia concorrer. Minha preocupação é grande porque sinto que, além da perda do encanto pelo festival por parte dos profissionais consagrados e a consequente perda do prestígio do evento, essas arbitrariedades que ferem o regulamento vêm gerando padrões de julgamento errôneos nos jovens profissionais e, o que é pior, estão colocando a profissão no ridículo aos olhos dos clientes. Óbvio: numa época onde, em todo o mundo, as negociações com os anunciantes se tornam cada vez mais rígidas, nós não podemos oferecer a possibilidade de alguém nos dizer: "Se vocês gostam tanto de trabalhar de graça para vocês, por que não trabalham de graça pra mim?". Enfim, o tema é longo e complicado, o mesmo problema já invadiu premiações locais em diversos países, mas, felizmente, existe gente como você e outros do primeiro time preocupados com o assunto. Da minha parte, ainda estou em dúvida se vou a Cannes este ano. Ano passado, mesmo ganhando novamente, com um comercial existente é claro, troquei pela primeira vez, em 20 anos, a semana do festival pelo mundial de futebol. Não vi ninguém ganhar com gol de mão ou impedido, coisa que até poderia acontecer no futebol, e ainda voltei dos EUA feliz da vida com o Brasil campeão. É verdade que nos pênaltis, sem o mesmo talento de outros tempos. Começo a ficar preocupado, porque a falta de talento normalmente incentiva a falta de vergonha. Será que um dia vão começar a jogar futebol fantasma? Texto Anterior: Dinheiro retorna à poupança em março Próximo Texto: Supervisão das vendas via satélite é arma da Wal-Mart Índice |
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