São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 1995
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França aposta no olhar infanto-juvenil

Projeto mobiliza 450 crianças e jovens

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A Cinemateca Francesa está finalizando para lançamento nacional no próximo mês um dos mais originais projetos inspirados pelo centenário do cinema. Quatrocentos e cinquenta estudantes entre dez e 15 anos, em quatro cidades (Paris, Lyon, Toulouse e Havre), foram engajados num ateliê de iniciação audiovisual batizado "O Cinema, Cem Anos de Juventude".
Na primeira etapa, desenvolvida entre novembro de 1994 e fevereiro último, os alunos foram introduzidos à vertente documentarista, identificada como "tendência Lumière". Inicialmente, eles assistiram à produção pioneira dos operadores Lumière mundo afora. A seguir, foram convidados a resgatar em super-8 nas suas próprias cidades o mesmo estilo: planos estáticos de um minuto de um flagrante urbano. Uma modernização tecnológica foi absorvida: os curtas são sonoros e coloridos.
Logo depois, atualmente em fase de encerramento, desenvolveu-se a segunda etapa. Caracterizando a "tendência Méliès" como a produção ficcional, exibiram-se os feéricos clássicos curtos do prestidigitador francês tornado cineasta. Cada classe foi então convidada a realizar coletivamente em vídeo um curta de ficção.
As obras resultantes serão reunidas em pares Lumière/Méliès. O formato final dos filmes para circulação permanece indefinido, segundo afirmou à Folha Nathalie Borgeois, responsável pelo projeto dentro da Cinemateca Francesa. Estuda-se a possibilidade de uma seleção resultar num longa-metragem em 35 mm.
A primeira apresentação vai se dar no próximo mês dentro do Encontro Nacional Cinema e Infância no Havre. O ciclo segue então para entidades co-patrocinadoras (Cinemateca Francesa em Paris, Cinemateca de Toulouse, Instituto Lumière de Lyon). Há planos de realizar o lançamento internacional em maio dentro do Festival de Cannes, mas a assessoria do festival não confirmou sua inclusão no programa. Segundo informaram por telefone à Folha, a única mostra até aqui assegurada para celebrar o centenário é um ciclo John Ford.
"O Cinema, Cem Anos de Juventude" não deve demorar para desembarcar no Brasil. A Cinemateca do MAM-RJ já está de posse de um vídeo piloto, e sua diretora, Susana Schild, está entusiasmada com o que viu. Uma possível extensão paulista foi recebida com simpatia por Borgeois.
A relevância do projeto, contudo, quase prescinde de seu resultado concreto. A força de "O Cinema, Cem Anos de Juventude" está na sacada de seu conceito de origem e na efetivação de seu processo. Raríssimas idéias de celebração do centenário articularam com igual felicidade uma face retrospectiva e outra perspectiva.
É o que a diferencia de saída de uma longa série de revisitações similares aos cinepioneiros, completas ou em produção. O curta inaugural da série de dez filmes de dois minutos programados para as salas francesas neste ano, sob a direção de Phillippe Truffaut, remodela o clássico lumièriano "O Regador Molhado" ao som da trilha de "Psicose". Curtas inspirados no filme dos Lumière sobre a chegada ao trem na estação estarão em maio no Festival de Hamburgo. Mesmo por aqui, a RioFilmes prepara um ciclo de pequenos filmes de cineastas brasileiros também homenageando o programa da primeira sessão de dezembro de 1895. Um longo etc. se segue.
"O Cinema, Cem Anos de Juventude" parte na frente ao resgatar para as homenagens ao nascimento do cinema a ênfase ao olhar virgem, às margens frescas, à Revelação (com "r" maiúsculo mesmo) fílmica do mundo. Nada mal que cinematecas, célebres como guardiãs do cinema de ontem, recuperem neste ano a dimensão de um cinema que renasce a cada dia no olho de uma criança.

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