São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 1995
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Encontro apela para a 'consciência internacional'

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A COPENHAGUE

Desde que, no dia 3, se inaugurou o Fórum-95, evento paralelo à Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, nasceram exatamente 598.070 pobres no mundo.
Era esse o número ao ser desligado o "relógio da pobreza", instalado pelas ONGs (organizações não-governamentais) na desativada base naval de Holmen, sede de seu encontro, em Copenhague.
A 5 km da base, no Bella Center, local da conferência oficial, o consumo de camarões bateu em 1,2 tonelada, nos sete dias em que os 4.058 delegados discutiram a pobreza no planeta.
"É fácil ser cínico, mas é mais produtivo pensar em que posso fazer para mudar as coisas", contesta o embaixador chileno junto à ONU (Organização das Nações Unidas), Juan Somavia.
Somavia também é o presidente da Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, encerrada oficialmente ontem na Dinamarca.
O que os governantes fizeram foi "puxar pela consciência internacional, primeiro passo para enfrentar os problemas na área social", como diz Paulo Renato Souza, ministro da Educação e chefe da delegação brasileira.
Mitterrand lembrou que, antes, "mencionar aspectos sociais era encarado como um comportamento bizarro".
Agora, pode não ser mais bizarro, mas continua sendo um diálogo de surdos a respeito de qual o melhor modelo para solucionar o problema da pobreza.
O vice-presidente norte-americano Al Gore, por exemplo, disse que os Estados Unidos aprenderam que é o momento de "abandonar nosso velho modelo de combater a pobreza com base em uma pesada intervenção governamental".
O líder cubano, Fidel Castro, contra-atacou: "O neoliberalismo, doutrina de moda imposta ao mundo de hoje, sacrifica impiedosamente, nos países subdesenvolvidos, os gastos para saúde, educação, cultura, esportes, seguridade social, habitações econômicas, água potável".
Mais próximo de Fidel do que de Gore, Mahathir Bin Mohamad, primeiro-ministro da Malásia, um emergente "tigre asiático", rechaçou o que considera tentativa das Nações Unidas de impor "um modelo ocidental do tipo tamanho único, que serve para todos".
Bin Mohamad defendeu o modelo do Sudeste asiático: uma "sociedade plenamente participativa e movida pelo trabalho".
Nem esse terceiro suposto caminho, o do Sudeste asiático, é unanimemente aplaudido.
Documento de 12 ONGs da Coréia do Sul, um "tigre" já consolidado, lamenta que "tudo o mais tenha sido abandonado em benefício do progresso econômico" e que "se maximizou o fenômeno de os ricos ficarem mais ricos e, os pobres, mais pobres".
Este último, aliás, é um fenômeno universal, de acordo com os números exibidos ao longo dos debates da cúpula.
O problema, como lembrou Gore, citando o novelista Arthur Koestler, é que "as estatísticas não sangram".
Prosseguiu o vice-presidente norte-americano: "Números não capturam a angústia de crianças sem teto (...), nem capturam o lúgubre desespero de uma mulher sem casa, se enrolando para dormir sobre uma saída de vapor em Washington, a poucas quadras da Casa Branca".
O presidente sul-africano Nelson Mandela, um dos raros mandatários que saiu da miséria da prisão para comer os camarões do Bella Center, ensinou, talvez por isso, a melhor lição:
"Nós, na África do Sul, aprendemos, por amarga experiência, que a segurança para alguns é, de fato, a insegurança para todos", disse Mandela.

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