São Paulo, terça-feira, 14 de março de 1995
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Cassino global precisa de um Hiper Marx

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Gelados de pavor, estamos conhecendo a modernidade. Mais fascinante que a queda das ideologias, é a recente queda das "certezas da incerteza". Não quero ser profundo como a água que bate nas canelas das formiguinhas, mas caiu até a empáfia daqueles que apostavam na lógica das variáveis infinitas, no mito da sabedoria do mercado. O pêndulo do mundo bate entre o controle e descontrole.
Por trás de uma uma liberdade "auto-reguladora" está a velha lógica especulativa, acelerada pela teleinformática, por milhões de bits por segundo. É uma revolução maior que a Industrial e deverá fazer mais vítimas do que ela. Desta necessidade trágica, surgirão novas políticas de salvação social.
O aparente "descontrole" serve a uma nova classe mundial democratizada, tem a mente de velhinhas do Kentucky que aplicam em fundos de pensão nas bolsas mundiais fazendo os "mercados emergentes" (nosso novo nome) subirem os juros, para depois quebrá-los ao primeiro vento de Chiappas: "Não se pode confiar em latinos", dizem. Cada vez fica mais clara a incapacidade do liberalismo de por si só resolver problemas sociais.
Houve a euforia liberal pós-Muro, logo sufocada pela incapacidade dos EUA em manter Gorbatchev no poder, com Bush humilhando a ex-URSS dentro de casa e abrindo caminho para o bêbedo Boris tomar o poder com um ideário bem óbvio. Americano odeia nuance; não querem saber de zonas intermédias que escapem da lógica clara do capitalismo. Só que capitalismo não é regime político; é modo de produção. Capitalismo não pensa a longo prazo; faz o marketing do "boom" mexicano para depois criticar a aliança entre o "smart money" e o fisiologismo do PRI.
É uma vertigem a situação do homem latino. Mergulhados ainda na lama da miséria, já somos rondados pelo mundo dos fluxos, dos novos mercados de "derivativos", como um Boeing aterrissando numa pista de barro.
A modernidade nos chegou como perigo e não como a calma prosperidade que os EUA tentam vender. Agora não estamos mais em Macondo, isolados numa doce miséria protegida. A informática e a nova onda especulativa nos cercam sem retração possível e os Estados nacionais ficam impotentes para controlar estas ondas. "Os países não estão tão rápidos como a Coca-Cola", disse Manuel Castels, o cientista político barroco e catalão. Mais forte do que os fluxos de poder é hoje o poder dos fluxos. O caos é o lugar onde o Estado se dissolveu.
Hoje, o poder se alterna entre Clinton salvando os investidores e o Nicholas Leeson (o operador do Banco Barings) provocando uma crise mundial com toques num teclado. Um trilhão de dólares voa por dia. E, diante deste novo capital especulativo, a cabeça humana se divide entre a utopia quente e a gélida distopia, entre o mito do controle e o luxuoso "frisson" por um futuro hiperperigoso. Oscilamos entre uma tendência para o fundamentalismo (que é a impotência de comandar os fluxos) e um cinismo político com requintes de crueldade social (que acha que os milhões de excluídos são apenas uma desagradável acidente estatístico).
Na cultura do mundo, saímos da galáxia de MacLuhan para uma outra nebulosa onde "a mensagem é o meio" (Castels). Descobrimos, na prática, o que ficção científica e a arte moderna previram durante o século inteiro: o arrepio de medo diante de um mundo sem centro, um gelado abstracionismo moral, uma nova ordem criminal onde não há culpados concretos. Como prender Leeson, se ele era apenas um yuppie que errou? É genial seu fax choroso para o Banco: "I am sorry..." Talvez seja este o slogan do fim-de-século, o mundo acabando e o cara dizendo: "Ihh, cacete...desculpem..."
E no Brasil, como estamos? Estamos no meio de um sanduíche feito das memórias políticas de um planejamento nunca alcançado (os últimos vestígios getulistas que nos formaram) e o breve deslumbramento liberal que a queda do México fez abortar.
Mais uma vez nossa inércia nos salvou. Nosso passado conservador é tão lento que até nos protege dos excessos modernizantes. Havia um deslumbramento com o liberalismo, como se fosse possível formular um processo tranquilo com realidades tão voláteis. Agora deu para ver que temos de dosar a necessidade de modernização do país com alguma proteção contra este imperialismo sem chefes.
O México nos deu um toque. A escola de Chicago não resolve tudo; um pouco de Havana também ajuda. O que temos de captar da modernidade são ritmos mais velozes, simplificações administrativas, ruptura de mitos burocráticos. Temos de limpar o entulho arcaico que um Estado paranóico e protetivo criou ao longo das décadas, mas a "teoria da dependência" não pode ser tão esquecida assim.
Por outro lado, saber da barra pesada do mundo não pode nos levar a um fundamentalismo nacional-primário. Nem podemos nos deslumbrar com facilidades e mágicas liberais. A fascinação moderna com os fluxos pode nos cegar. Giramos no vácuo das certezas políticas. Brevemente, o mundo vai ter de parir um Hiper Marx.

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