São Paulo, quinta-feira, 16 de março de 1995
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Esquerda é mudança

ROBERTO FREIRE

O Partido Popular Socialista, desde a sua origem, sempre defendeu as reformas da economia, da sociedade, da política e do Estado. Admitindo os profundos avanços democráticos ocorridos nos últimos anos, mas consciente de que o Estado brasileiro encontra-se desconectado dos interesses públicos e da cidadania, o PPS vem participando ativamente de todos os processos que buscam as mudanças.
Teve essa postura na elaboração da Constituição promulgada em 1988, participou da tentativa de viabilizar a revisão constitucional e, agora, diante de um governo que promete algumas reformas significativas, também não pretende ficar engessado.
Não queremos nem a opção do que se convencionou chamar neoliberalismo, cuja lógica é tornar inócuo o papel do Estado no desenvolvimento do país, nem o comportamento de "reação" que, mesmo amparado em discurso nominalmente progressista, prende-se a velhos conceitos e aos laços do corporativismo, não conseguindo enxergar que o Brasil demanda reformas para se credenciar como nação próspera e soberana no futuro.
Do ponto de vista da esquerda, chega a ser um paradoxo não querer aprofundar as mudanças em um Estado que ao longo das últimas décadas transformou-se em cartel de grupos privados e corporativos, relegou a um certo abandono áreas públicas fundamentais como educação e saúde e fez vistas grossas aos avanços da ciência e tecnologia ao tratar com descaso as universidades e os centros de pesquisa.
Não caímos na armadilha de se posicionar em torno de Estado máximo ou mínimo, conceitos presentes em receituários equivocados. Queremos, isto sim, um Estado eficiente, publicizado de fato, e que consiga contribuir para o rompimento do círculo nefasto da exclusão social e do atraso econômico. Nunca é demais lembrar que o Estado que aí está e a sociedade perversa na qual se insere não foram por nós construídos e nem por nós são aceitáveis.
A executiva nacional do PPS entendeu que a reforma constitucional justifica-se, entre outros aspectos, pela necessidade de superação da crise atual e de integração competitiva e soberana do Brasil ao mercado mundial que em nosso continente expressa-se, notadamente, pela emergência do Mercosul.
O PPS entende que o processo de globalização da economia, acelerado por fatores como o fim da Guerra Fria e as conquistas tecnológicas, tornou ultrapassados alguns dos atuais dispositivos constitucionais, sobretudo aqueles que estabelecem diferenciação entre empresa de capital nacional e empresa de capital estrangeiro. O assunto pode ser tratado em legislação ordinária ou por meio de políticas protecionistas.
Quanto aos monopólios, defendemos a sua manutenção, abrindo-os, entretanto, em setores como petróleo e telecomunicações, a uma maior concorrência da iniciativa privada. O Estado precisa contar com mecanismos de forma a assegurar novos padrões de investimento, fortalecendo sua atuação em áreas de fronteira tecnológica e limitando, ao mesmo tempo, os monopólios privados e estatais.
Se defendemos a flexibilização, somos contra a privatização de empresas como Petrobrás e Telebrás. Elas devem continuar sendo o braço da ação direta do Estado nesses segmentos estratégicos da economia e, mais, também responsáveis pela celebração de contratos de parceria com a iniciativa privada e empresas estatais de outros países. Privatizá-las significa tão-somente, pelo volume de capital que demandam, formar outros monopólios, desta feita sem o controle nacional.
Todo e qualquer novo investimento sob essa nova política deve submeter-se a um sistema de planejamento que garanta os interesses e a efetiva integração do país.
Quanto à reforma tributária, deve-se dar primazia aos impostos diretos, com progressividade, sobre impostos indiretos. Concordamos com a democratização da política tributária reafirmando-se o seu caráter distributivista, defendemos a sua desburocratização com a consequente diminuição do número de impostos sem redução da carga tributária e exigimos eficácia no combate à sonegação e à fraude. Estados e municípios, com novas competências e atribuições, não podem continuar reféns da centralização hoje praticada pela União.
As alterações inadiáveis na Previdência e no estatuto do servidor público não podem em hipótese nenhuma desrespeitar direitos adquiridos ou quebrar contratos sociais vigentes, excetuando-se apenas casos de aposentadorias especiais como deputados, juízes e professores universitários, entre outras categorias. As medidas, portanto, devem abranger só os novos trabalhadores.
O direito a uma aposentadoria por idade, de valor não inferior a um salário mínimo, em nossa opinião, é inalienável e independe de recolhimento. Queremos ainda manter a equivalência dos benefícios ao salário mínimo e a plena universalização do sistema, contemplando trabalhadores urbanos e rurais.
Por outro lado, a alteração do conceito de estabilidade para os novos servidores, que não pode ser igual ao adotado pela iniciativa privada, deve conter cláusulas rigorosas para combater demissões políticas e arbitrárias.
O PPS considera positivas as propostas advindas do governo, mas em relação a algumas delas mantém divergências pontuais e até conceituais. Esperamos que a esquerda e as demais forças políticas democráticas e progressistas com representação no Congresso possam corrigir os rumos das mudanças. Se virarmos as costas para o debate, as mudanças ocorrerão e, o que é pior, sem a nossa participação.

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