São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 1995
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Pastoral denuncia trabalho escravo em fazenda

CRIS GUTKOSKI
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTA LUZIA (MA)

A Procuradoria Geral da República no Maranhão pediu sexta-feira abertura de inquérito na Polícia Federal para apurar denúncia de trabalho escravo na fazenda Agronunes S/A, em Santa Luzia (294 km ao sul de São Luís), feita pela CPT (Comissão Pastoral da Terra).
A denúncia aconteceu após ida à fazenda de integrantes da CPT acompanhados da reportagem da Agência Folha, em 10 de março.
Lá, constataram que trabalhadores rurais sem vínculo empregatício frequentemente fogem para se livrar da jornada de trabalho, das más condições de alojamento e de dívidas contraídas na fazenda.
Segundo o procurador Nicolao Dino, o inquérito agora aberto prevê uma ação com base no artigo 149 do Código Penal. A pena é de dois a oito anos de reclusão.
O artigo 149 diz que é crime "reduzir alguém à condição análoga à de escravo". Na legislação trabalhista brasileira, não existe a definição de "trabalho escravo".
Para a procuradora da República Ela Volkmer de Castilho, autora do estudo "Trabalho Forçado e Trabalho Escravo no Direito Penal Brasileiro", um trabalhador é escravizado quando contrai dívidas permanentes no local de trabalho, quando existe coerção armada na área e quando ele é aliciado (seduzido por falsas promessas).
A sede da fazenda Agronunes S/A fica a 2 km da rodovia BR-222. Foram à fazenda o advogado José do Carmo Siqueira e o técnico agrícola Pedro Marinho, ambos da CPT; a dona-de-casa Pureza Loyola; os trabalhadores rurais Fabiano Pereira Mendes e Francisco Santos de Souza; e a reportagem da Agência Folha.
O grupo chegou à procura do filho de Pureza, Abel, desaparecido há dois anos. Ao chegar à sede, os seis foram autorizados a ir até um alojamento de peões.
O alojamento não têm água encanada nem banheiro; são apenas algumas tendas no meio das árvores. Um capataz armado com revólver guardava o local.
Um dos empreiteiros de mão-de-obra, conhecido por Bala, disse que atualmente cerca de cem peões roçam o mato que se espalha por parte dos 30 km de extensão da fazenda, onde se cria gado.
Os peões não têm carteira assinada, trabalham das 6h às 18h, de segunda a sábado e, segundo Bala, não resistem à jornada e fogem com frequência."Agora mesmo fugiram 17 de um barraco", disse.
Um peão comenta salário: "No dia em que urubu tossir, a gente tira mais de R$ 50 por mês".
Bala disse que paga a seus funcionários cerca de R$ 70 pelo alqueire roçado, área equivalente a cinco campos de futebol.
Como o salário costuma ser menor que o consumo na cantina, fica estabelecido o endividamento.
O recurso da fuga é antigo. "Agora as coisas estão mais calmas", disse o peão Isaías, 47.
Fabiano Mendes, 22, disse que em abril de 93 fugiu com Francisco de Souza após deixarem as roupas com um capataz que ensinou o caminho "para não ser pego".
"De noite os peões diziam que quem fugisse, eles (os capatazes) matavam", lembrou Mendes.
Em Açailândia, a mulher do empreiteiro Veras, Maria de Jesus, afirmou que os trabalhadores já chegam na fazenda endividados. "A gente contrata e paga toda a despesa do hotel", disse.

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