São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 1995
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Divergências travam política econômica

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

Divergências internas estão travando a política econômica do governo FHC. E o presidente Fernando Henrique Cardoso colhe o que plantou: as divergências resultam da introdução na equipe de pessoas com pensamento econômico muito diverso.
Há diferenças em três áreas decisivas: câmbio (acentuar ou não a desvalorização do real), abertura da economia (arrochar ou não as importações) e privatizações (vender grandes estatais ou não).
Isso sugere que as políticas em vigor podem mudar. Daí o clima de incerteza que atravessa a economia, apesar dos bons resultados obtidos pelo Plano Real.
Neste momento, por exemplo, as pessoas ainda não estão convencidas de que a cotação do dólar ficará entre R$ 0,88 e R$ 0,93.
A nova política cambial pareceu um arranjo de três pontos de vista: desvalorizar o real lentamente; fazer de uma vez e levar a cotação do dólar para R$ 0,93; e levar logo para R$ 1 igual a US$ 1.
Assim, o BC anunciou que a cotação do dólar ficaria entre R$ 0,86 e R$ 0,90, passando-se depois o teto para R$ 0,93 e depois ainda para R$ 0,98.
Isso significava que a cotação do dólar poderia ficar nos R$ 0,86, nível em que estava antes da mudança, até R$ 0,98, que seria uma forte desvalorização.
Dada a confusão, simplificou-se para a banda de variação entre R$ 0,88 e R$ 0,93. Mas dentro do governo, especialmente nos Ministérios do Planejamento e da Indústria e Comércio, continua circulando a informação de que o dólar ainda está barato.
E se é assim, os exportadores hesitam em vender seus dólares, pois a cotação pode subir, e importadores antecipam compras.
No que se refere à abertura da economia, a divergência ficou exposta na última reunião do Conselho de Comércio Exterior, que introduziu a possibilidade do governo impor quotas para importação de determinados produtos.
Trata-se de um choque frontal com a política de abertura do Plano Real, cuja idéia sempre foi a de simplificar e desburocratizar as importações. Ministros da área econômica têm dito que o sistema de quotas não será adotado, mas a aparição da idéia no Conselho indica que outros membros do governo continuam a favor delas.
Na concepção original do Real, o forte crescimento das importações deveria ser contrabalançado com estímulo às exportações e entrada de capitais através de um forte programa de privatizações.
A idéia era abrir a investimentos estrangeiros áreas como telecomunicações, distribuição de energia e mineração. O governo, de fato, enviou emendas constitucionais permitindo privatização nesses setores. Mas emite outros sinais contraditórios.
A diretora de Privatização do BNDES, Elena Landau, anunciou a inclusão da Vale do Rio Doce no programa de privatização. Foi desautorizada pelo presidente FHC.
Agora, foi autorizada a inclusão da Vale no programa, mas isso ficou parecendo um gesto político para mostrar que os fundamentos do Plano Real permaneciam.
O BNDES se preparava também para privatizações na área de telefonia, mas o ministro das Comunicações, Sérgio Motta, disse que não pretende vender as companhias do setor.
Além de tudo, o governo não introduziu as novas moedas de privatização nem novas modalidades que facilitariam a venda de pequenas estatais. A venda da Light continua tão emperrada quanto estava no governo Itamar Franco.
Tudo isso leva as pessoas a imaginar que a política de privatizações não é um consenso.
Considerando que câmbio, abertura e privatizações são essenciais para o Real, há razões para o clima de incerteza quanto ao futuro da política econômica.
Perguntado recentemente, em São Paulo, sobre as diferenças de política econômica entre Argentina e México, o ministro da Economia argentino, Domingo Cavallo, respondeu: "Na Argentina, há apenas um ministro da Economia".
A mesma resposta valeria para as diferenças entre Brasil e Argentina.

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