São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 1995
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O conceito de dance music é elástico e difícil de entender

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quem sabe o que é dance music? Eu nunca soube. Em uma semana, passei a saber menos ainda.
Esses dias teve um festival de dance music em São Paulo. Pelo menos é o que passa por dance music nas rádios especializadas nisso em São Paulo, que, parece, estão nos primeiros lugares de audiência. Também é esse o mesmo tipo de som que anda aparecendo bastante na MTV.
Isso tudo é resultado de uma avaliação empresarial de que rock "não vende mais". Que o negócio é dance.
Besteira. Dance é bom para rádio, é bom para discotecas. Mas dance não tem ídolos, e o que vende é idolatria. Diga o nome de cinco artistas de dance que vendem tanto quanto, digamos, Guns N'Roses. O que vende são essas coletâneas de FM, isso sim, com um monte de artistas sem face apresentando seus hits do momento.
Não que haja algum problema conceitual com um artista não ter face. O pop viveu e vive até hoje em grande parte de caras que emplacam um ou dois hits, e também de "linhas de montagem" de sucessos.
A tão idolatrada Motown dos anos 60 hoje provavelmente seria desprezada pelos críticos. Como são desprezadas essas linhas de montagem de hits dance da Alemanha, Inglaterra e Itália.
Agora, veja o outro lado da história. Meu colega Camilo Rocha veio esses dias da Inglaterra carregado de fitas de tecno. Ouvi e não entendi nada (não que música seja para entender). Disse o que os nossos pais costumam dizer de rock: "É tudo igual". Uma menina que estava junto foi mais objetiva: "É progressivo", o que para ela (e para todo mundo que se criou com punk e new wave, e um pouco para mim também) é palavrão.
Mas o Camilo garante que é muito bom e que é o futuro, e ele entende mais de música que eu, então eu boto fé e assino embaixo.
Quer dizer que vamos ser obrigados a ouvir tecno para sempre? Não, imagina. Por exemplo, estou escrevendo enquanto ouço no walkman o álbum de estréia do Elástica.
É uma banda inglesa que foi colocada debaixo daquele rótulo "New Wave of New Wave". As músicas têm em média dois minutos, com vocal feminino docinho, três acordes, guitarrinhas ardidas, refrõezinhos pegajosos. Lembra um monte de coisas antigas tipo Raincoats, Blondie, Au Pairs, Bangles no comecinho, mas não é igual a nada. E se marcar, fãs de L7 perigam gostar. Dá para ouvir o dia inteiro sem cansar. E dá para dançar —acho, não experimentei ainda. É dance music? Não propriamente. Mas sou mais isso que tecno, ou do que essas coisas das coletâneas de FM.
Quer dizer: dance music é o tipo de música que a gente gosta de dançar. É chato que quase não haja casas noturnas que toquem outra coisa que não esses Ice MC e DJ Bobo da vida. Os poucos lugares restantes se dedicam a tecno-trance-jungle, ou a rap, que há pelo menos um ano está uma monotonia só.
Tudo bem. Uma das grandes vantagens dos anos 90 é que você não precisa necessariamente lidar o tempo inteiro com o presente, muito menos com o futuro. Pelo menos, no que diz respeito a diversão.

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