São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 1995
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De volta para o futuro

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA — O Brasil vive novamente um dilema ideológico. De um lado, dinossauros marxistas ressuscitados. De outro, os neoliberais. No meio, um governo claudicante, mergulhado em hesitações.
Em certa ocasião, o chique era definir-se como intelectual de esquerda. Exigia-se certa intimidade com "O Capital", de Karl Marx. Ainda que simulada.
Foram dias românticos. Cada qual desfrutou-os como pôde. Inclusive comendo caviar no Chile.
Na fase pós-Muro de Berlim, um frenesi liberalista varreu as estantes da intelectualidade nacional. Saíram as lombadas do velho Marx. Entrou "O Caminho da Servidão", obra do economista austríaco Friedrich August von Hayek, guru do neoliberalismo.
Pragmático, Fernando Henrique apropriou-se do discurso e da agenda liberal importada por Fernando Collor. Fez aliança com o PFL e virou presidente. Os antiliberais, anestesiados desde a derrota de Lula, respiravam com o auxílio de aparelhos. Até que veio o México.
Não que o México seja o Muro de Berlim dos liberais. Mas os dinossauros tentam vendê-lo como tal. E Fernando Henrique foi o primeiro a acusar o golpe.
"O Brasil não é o México", disse à exaustão. "Essa história de neoliberal é nhenhenhén".
Súbito, o país passou a torrar tempo num debate tolo. Ser ou não ser neoliberal? Eis a questão que volta a embalar a nação. Trata-se de um falso dilema.
Pergunte-se aos governistas, na intimidade, o que desejam. Responderão: cargos, muitos cargos. Faça-se a mesma pergunta aos oposicionistas. Dirão que querem apenas tumultuar a vida de Fernando Henrique, xingá-lo de facista nas ruas.
O pior para a nação é que os ideólogos dos novos tempos detestam máquina de calcular. Submetido à invariável realidade dos números, o Estado continua quebrado. Mas, embatucados entre Marx e August von Hayek, eles insistem em procurar o nosso futuro em meio aos escombros de um passado ideológico.

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