São Paulo, terça-feira, 21 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A timidez de FHC

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO — O presidente Fernando Henrique Cardoso repetiu sexta-feira, no Rio, que não tem medo de bicho-papão, o que já dissera na sua primeira entrevista coletiva.
É fácil não temer bicho-papão quando ele é falso. O presidente dispara contra os sindicatos, que, segundo ele, só fazem barulho e não dizem coisa com coisa. Por mais pecados que os sindicatos tenham, é covardia fazer de conta que ignora que os sindicatos jamais estiveram no poder na República. Logo, sua parcela de culpa pelos males brasileiros é infinitamente pequena.
Dispara também contra "reitores mal-informados". Que os há, ninguém discute. Mas, de novo, o presidente sabe que os reitores, bem ou mal informados, pouco ou nada contribuíram para as políticas que levaram o país à crise.
Contra esses supostos adversários, é fácil ser valentão. Queria ver valentia é contra os verdadeiros responsáveis pela falência do Estado brasileiro e, por extensão, pela miserável situação do país. O presidente sabe quem são. Basta, aliás, olhar à sua volta.
São uma parcela substancial das elites políticas e empresariais, estas sim corporativas, fisiológicas, predatórias e vociferantes.
Ao errar na escolha dos bichos-papão, o presidente erra também nos remédios. Suas reformas, mesmo que venham a ser totalmente aprovadas, mesmo que venham a funcionar à perfeição, nada mais farão do que manter as contas públicas em ordem. É necessário, sim, mas é ridiculamente pouco.
Não permitirão dar um só passo no rumo de corrigir 'à dramática situação social" que o próprio governo admitiu em documento encaminhado à ONU.
Tome-se a reforma da Previdência como exemplo. Se der certo, a Previdência pára de ter déficit. Mas os seus dependentes continuarão com pensões e aposentadorias miseráveis.
Só há uma maneira de corrigir a "dramática situação social". É o governo tomar de quem tem, via tributos, e amparar os que têm pouco ou nada, em parceria com a sociedade organizada. Não é uma questão ideológica, mas de sentido comum, de lógica pura.
Mas esse bicho-papão o presidente não tem coragem de enfrentar.

Texto Anterior: Publicidade perdulária
Próximo Texto: Mais pílula, menos miséria
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.