São Paulo, terça-feira, 21 de março de 1995
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Mais pílula, menos miséria

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA — O Ministério da Saúde anuncia: a partir deste ano, pretende atender sistematicamente sete milhões mulheres pobres, municiando-as de graça com métodos anticoncepcionais. Promessa vazia? Talvez: o tempo logo vai dizer. Poucos projetos, porém, são tão necessários para ajudar a reduzir a miséria num curtíssimo prazo.
Nesse ponto, o Brasil tem, agora, um momento raro: um presidente e uma primeira-dama sensíveis à questão populacional. Ambos defendem a idéia de que o planejamento familiar é um dos ingredientes inseparáveis da cidadania. Traduzo: o direito de o casal determinar o número de filhos.
Falei, aqui, que o planejamento ajuda a reduzir a miséria a curto prazo por um motivo simples. É, por exemplo, a adolescente evitando hoje a gravidez de amanhã, que comprometeria sua chance profissional. Ou a mãe que vive de orçamento ridículo, que seria atingido ainda mais com um filho inesperado.
As estatísticas muitas vezes colaboram mais para atrapalhar do que esclarecer esse debate. De seus gabinetes refrigerados, estudiosos informam (e com razão): a taxa de crescimento populacional está caindo. Cuidado, porém, com a ilusão da média.
É a tal história do sujeito que colocou os pés no forno e a cabeça na geladeira. E ficou com a temperatura média ideal. Quem quiser conhecer o problema não precisa ir muito longe de seu gabinete refrigerado. Basta dar uma circulada (nem precisa gastar muito tempo) nos bairros periféricos. Vai ver exércitos de mães jovens com pencas de filhos.
Se quiser ficar, de fato, impressionado, viaje para o interior do Nordeste ou Norte. Vai encontrar facilmente mulher que já teve mais de 20 filhos, muitos deles vítimas da falta de comida ou remédio. Ou seja, estão mortos.
O ponto é: se Fernando Henrique e Ruth Cardoso, presidente do Conselho da Comunidade Solidária, deixarem o Palácio da Alvorada sem terem mexido no planejamento familiar que tanto debateram, melhor leiloar (ou dar de graça) seus livros.

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