São Paulo, terça-feira, 28 de março de 1995
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Minha sogra e as reformas

LUÍS NASSIF

Sentada em frente à televisão, assistindo os telejornais do dia, percebe-se que minha sogra simpatiza com o presidente da República. Tem dúvidas sobre sua determinação, é verdade, mas reputa-o sério.
Minha sogra tem a percepção de que o país necessita de reformas e gostaria de apoiar o presidente nessa questão. Como todo cidadão comum, tem uma idéia claríssima sobre a natureza do Estado brasileiro. Sabe que o dinheiro dos impostos é desperdiçado por esquemas políticos, corporações que estão se lixando para os contribuintes e negócios obscuros.
O problema é que não tem a menor idéia sobre o que o presidente pretende para o país. Ela ouve do presidente conceitos bonitos sobre despolitização do Estado, modernas formas gerenciais, nhenhenhém neoliberal pra cá, trololó social pra lá, tudo muito vago, muito teórico. Ela vive me perguntando: o que quer o presidente e o governo? Eu explico que nhenhenhém pra cá, trololó pra lá, ela ouve desconfiada e percebe-se que não se convenceu.

Blablablás e trololós
O ministro da Previdência, por exemplo, parece-lhe pessoa séria. Concorda quando ele fala da necessidade de eliminar privilégios na Previdência. Como aposentada, deveria estar eufórica com a proposta de, em troca da eliminação dos privilégios e do acréscimo de alguns anos a mais de contribuição, ter a garantia de estabilidade eterna para as aposentadorias.
Mas não acreditou nem um pingo na promessa. Ela tem 80 anos de janela, em promessas não cumpridas por parte de gerações e gerações de governantes. Por isso, não acredita em nhenhenhém, trololó ou blablablá nem de ministro sério, porque nenhum ministro poderá garantir como será seu sucessor.
Ela só começaria a achar que daqui para a frente tudo vai ser diferente no dia em que o presidente apresentasse algo concreto, uma prova insofismável de desprendimento, um ponto de não-retorno.
Como, por exemplo, convocar uma rede nacional de rádio e televisão para o seguinte comunicado: "Meus cidadãos, nessas décadas todas o Executivo arruinou a Previdência, permitiu a corrupção, desviou recursos. Peço desculpas em meu nome e de todos meus antecessores e comunico-lhes que, a partir de amanhã, devolvo a Previdência ao povo, saneada e autônoma. Ela se tornará uma instituição profissional, co-gerida pela sociedade civil. Nunca mais nenhum presidente terá o poder de indicar ninguém para o órgão ou de esfrangalhá-lo com seu imediatismo".

Aprendendo a acreditar
Aí minha sogra começaria a desconfiar de que algo estaria mudando mesmo. Ficaria mais ligada ainda se o presidente estendesse seu discurso para a privatização. "E tem mais, meus cidadãos. Nas últimas décadas constituímos um enorme aparato estatal às custas de sangue e sacrifício dos contribuintes. E, quando privatizamos, foi para beneficiar grupos específicos, queimando patrimônio público de maneira irresponsável. A partir de agora, devolverei as estatais ao povo brasileiro, seu legítimo proprietário. Transformarei o FGTS em fundo de investimento, gerido profissionalmente. Em vez de emprestar a fundo perdido para o Estado, passará a investir livremente nas aplicações que proporcionem o melhor retorno para os cotistas, sem nenhuma espécie de interferência do governo".
Minha sogra levaria um susto, e começaria a reconsiderar sua opinião sobre presidentes e governos. Pela primeira vez em 80 anos ela estaria ouvindo das autoridades algo além de meras promessas de campanha.
O presidente não pararia por aí. "Nas últimas décadas, o governo tem utilizado o dinheiro do trabalhador, do PIS-Pasep e do FAT para conceder empréstimos subsidiados a grupos privilegiados. Isso acabou. A partir de agora, esse dinheiro será aplicado na democratização do capital das empresas, através de fundos de investimento, tornando todos os seus cotistas sócios do desenvolvimento. Na semana que vem, a rede bancária começará a distribuir extratos informando quanto cada brasileiro tem de capital nesse fundo".
Minha sogra se renderá às evidências e praticará algo inédito em seus 80 anos de vida: se sentirá cidadã plena e acreditará no governo. No país, ela nunca deixou de acreditar.

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