São Paulo, quinta-feira, 30 de março de 1995
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O conceito de Kopfschmerz

HÉLIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO — Um intelectual como FHC não se pode furtar à reflexão metafísica. Para começar, na mais pura tradição eleata, seu governo lembra o veloz Aquiles que corre atrás da tartaruga sem, contudo, jamais alcançá-la.
Foi mais ou menos isso o que aconteceu com as até-então-tidas-como-imprescindíveis reformas estruturais. As alterações no sistema previdenciário foram atiradas para o próximo ano, e a proposta de mudança na malha tributária vem sendo mantida secreta com o mesmo zelo com que o papa guarda as revelações da virgem de Fátima.
Em suas meditações sobre o dualismo, FHC deve incluir o fantástico discurso proferido no Ceará, em que o presidente deu um novo significado ao conceito de devir, alterando de uma vez por todas as regras da dialética.
Até o célebre discurso em Jaguaribe, ninguém em toda a história da filosofia havia conseguido resumir com tanta elegância o processo pelo qual o não-ser (demagógico) torna-se ser (demagógico), deixando para trás todo um passado (o de FHC) e, ao mesmo tempo, tornando o passado (Collor) presente.
Também no campo dos estudos aristotélicos, FHC e seus ministros fornecem amplo material para pesquisa. Dizia o estagirita: "O ser se diz de diversas maneiras" ("Metafísica", livro zeta). Aristóteles jamais pôde provar a sua afirmação, mas FHC e colaboradores agora o fizeram.
Praticamente todas as medidas anunciadas como salvadoras e modernizantes (Previdência, exame final para cursos superiores etc.) foram rapidamente desanunciadas conservando-se, porém, salvadoras e modernizantes. Não há melhor prova de que o ser (salvador e modernizante) pode ser dito de todas as maneiras que se queira imaginar —e quem sabe até de algumas mais.
Uma coisa é certa. Depois de sua rica passagem pela Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso não poderá negar a seu sempre fiel público uma obra acerca de um conceito transcendental com o qual ele certamente já estará bastante familiarizado: o conceito de "Kopfschmerz", o que, numa tradução livre, significa mais ou menos "dor-de-cabeça".

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