São Paulo, quinta-feira, 30 de março de 1995
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Cidade 'ensinou' turismo a modernista

EDSON FRANCO
DO ENVIADO ESPECIAL A NATAL

Cultuado como pai da cultura moderna brasileira, o escritor Mário de Andrade (1893-1945) viajou pelo Norte e Nordeste brasileiros entre novembro de 1927 e fevereiro do ano seguinte.
A intenção do escritor era fazer um levantamento folclórico e etnográfico da região.
As anotações de Andrade resultaram no livro "O Turista Aprendiz". Segundo a obra, o escritor chegou a Natal no dia 15 de dezembro e por lá ficou até 17 de janeiro. A capital potiguar ajudou no aprendizado do "turista".
Ele vinha de Recife e, ainda no trem, lembrou de um amigo. "Já estou no Rio Grande do Norte, pertencendo ao meu amigo Luís da Câmara Cascudo."
Em seu segundo dia em Natal, Andrade anotou em seus diários a impressão que tinha da cidade. Para ele, o pitoresco da capital é seu encanto honesto e um ar de "chácara" que a torna humana.
Durante suas andanças pela cidade, Andrade se queixava do excesso de folhagens nos largos e da pretensão arquitetônica do prédio da prefeitura.
Por outro lado, ele exaltava o Palácio do Governo, as casas e a praia de Areia Preta, "uma das mais encantadoras que conheço", escreveu.
Ainda sobre as praias, o escritor apontava a "copacabanização" do litoral. Segundo ele, em 1927 as praias de Natal tinham mais esportes que as de Santos (SP) e eram frequentadas por lindas morenas.
Andrade achou a culinária local "bem monótona". Durante sua estadia ele comeu na maioria das vezes farinha, feijão, carne-de-sol, bacalhau e muitos cajus.
Com Cascudo
Enquanto esteve em Natal, Andrade se encontrou com Cascudo em diversas oportunidades.
Quando chegou à cidade, o escritor foi recebido por Cascudo com a notícia de que o governo iria outorgar-lhe um terreno com uma casa na praia de Areia Preta.
Na tarde de 25 de dezembro, ele e o folclorista almoçaram uma "panelada de carneiro" na casa de Cristóvam Dantas. À noite, eles passearam pela praia.
Cinco dias depois, eles foram à Redinha para tomar banho de mar. Lá foi servido um almoço composto de "sopa rósea, vatapá e peixe-de-coco".
Andrade não conta como se deu a despedida de seu amigo norte-riograndense.
Nos intervalos entre um encontro e outro, Andrade recebia cantadores e grupos locais para conferir e catalogar os estilos musicais populares de Natal.
O escritor procurava a autenticidade da interpretação local em gêneros musicais que já tinha ouvido em São Paulo.
"Desde que os meus amigos nordestinos aí em São Paulo cantaram 'cocos' para eu escutar, faziam tanta letra com a entoação que fiquei ansiando por ouvir um 'coqueiro' de verdade", anotou Andrade no dia 20 de dezembro.
Um desses "coqueiros de verdade" era Chico Antônio. O escritor passou vários dias conversando e passando para a pauta musical algumas melodias que ele cantava.
O fascínio que a musicalidade de Chico Antônio exerceu sobre Andrade ocupa boa parte das memórias que o autor guardou de Natal e registrou no livro.
Nas anotações do dia 12 de janeiro, por exemplo, ele escreveu: "A tarde cai numa tristura que machuca, assombrada pela saudade de Chico Antônio, partido faz pouco." (Edson Franco)

O TURISTA APRENDIZ, de Mário de Andrade. Editora Duas Cidades (r. Bento Freitas, 158, tel. 011-220-5134). 386 págs. R$ 15.

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