São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 1995
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Derrota recordista

JANIO DE FREITAS
DERROTA RECORDISTA

Por mais que os meios de comunicação disfarcem o que ocorreu com a proposta do governo para a Previdência, difundindo um "recuo estratégico" na tramitação da proposta no Congresso, é óbvio que o presidente Fernando Henrique e o ministro Reinhold Stephanes sofreram pesada derrota. Ao que a memória me indica, a história republicana não registra derrota assim antes de completados sequer 90 dias de governo.
Foi o resultado merecido para uma ação politicamente mal conduzida, tecnicamente primária e recheada de imoralidades. Governo que pretenda um mínimo de respeito não prega uma coisa e faz outra, que isso é conto-do-vigário. Ao Congresso e aos interessados em geral foi assegurado que as modificações na Previdência respeitariam os direitos adquiridos, mas a proposta assinada por Fernando Henrique e pelo ministro Stephanes chega à desfaçatez de afirmar explicitamente, várias vezes, a cassação de tais direitos.
A falta de criatividade da proposta governamental chega ao espantoso: tudo o que ocorreu ao governo foi avançar, em contas de quitandeiro, no miserê já indecente que é a aposentadoria para a quase totalidade dos que a recebem e dos que estão a caminho dela. Milhões que, no entanto, não incluem os ministros e seus assessores especiais, privilegiados pela exclusividade indecente de poderem acumular, ainda por dois anos, vencimentos e aposentadorias.
Medíocre na proposta, medíocre na saída. Que o ministro das Comunicações passasse por cima do ministro da Previdência, para anunciar o "recuo estratégico" que desaceleraria a tramitação da proposta no Congresso, isso não surpreende. Nem pela desordem no governo, nem por ser a iniciativa de Sérgio Motta, o detentor do poder sobre o Poder. Ao governo, porém, não compete acelerar ou desacelerar a tramitação de proposta que entrou no Congresso. Esta decisão é dos parlamentares, e tudo o que o governo pode é acionar os seus serviçais para dificultar a tramitação ou retirar a proposta de emenda. Deixando-a, corre o risco de mais e merecidos dissabores.
Pelo mesmo caminho começa o governo a conduzir o problema da reforma tributária. Dada pelo candidato Fernando Henrique como outra prioridade de urgência urgentíssima, até agora não há proposta governamental para ser encaminhada ao Congresso. Nem é tanto que o governo prefira a prorrogação do Fundo Social de Emergência, esta mentira financeira que nada tem de social. É que predomina o desentendimento ministerial em torno da reforma tributária, e neste caso o melhor é a prorrogação do FSE.
Mas o que já vem por aí é outro engasgo do governo Fernando Henrique. A tentativa de protelação lançada pelo deputado governista Antonio Kandir, criando mais instâncias de discussão do que seria a reforma, corre o risco de deixar o governo na pior situação: sem a reforma e sem a dinheirama do FSE, cuja prorrogação só será aprovada se a larga maioria dos deputados renegar a posição que tem hoje. E, com o pulso que o Congresso está tomando, é muito improvável que isso aconteça. O governo constrói, portanto, outra derrota.

O desonesto
O ministro Reinhold Stephanes definiu-me como "profissional desonesto", dia 19, na Câmara dos Deputados, por publicar que ele se aposentou com 22 anos de serviço público. Onze dias depois, confirma para a Folha o que publiquei. Mas acrescenta outra reclamação: "O debate nacional não tem que ser sobre a minha vida, mas se a lei que está aí é certa ou errada".
Stephanes ainda não percebeu, sequer, que sua vida não suscita o menor interesse. O que interessa é a compatibilidade entre o papel que uma pessoa assume e sua autoridade moral para assumi-lo. No caso de Stephanes, tudo o que interessa é que esta autoridade lhe falta.

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