São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 1995
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Dólar Gump

Nesta semana o filme "Forrest Gump" tornou-se outra obra legendária do cinema americano, arrebatando o Oscar nas principais categorias. Emblemático, fantasioso, mas ao mesmo tempo irônico e autocrítico, o anti-herói Gump faz história sem perceber, mais até, sem querer. Forrest Gump é um obstinado que age sem determinação.
A atenção que o filme volta a receber com as premiações coincide com uma circunstância histórica da economia norte-americana, especialmente da sua política econômica, igualmente anticlimática e de contornos indeterminados. A inflação está aparentemente sob controle nos EUA e o crescimento voltou a uma rota moderada, no máximo.
Entretanto, o dólar ultrapassa todos os limites psicológicos de baixa com que os mercados às vezes parecem operar. Na Europa já se rompeu o nível do 1,4 marco por dólar, no Japão já se admite o piso de 80 como novo limiar. Vê-se portanto o paradoxo de uma economia estável de performance média estar provocando um dos mais assombrosos realinhamentos cambiais do século.
A Bolsa alemã registrou recorde de baixa nos últimos 18 meses diante da desvalorização do dólar e, principalmente, frente à atitude de alheamento do banco central norte-americano, o Fed, que optou na última terça-feira por deixar as taxas de juros onde estão. Havia alguma expectativa nos mercados de que as quedas históricas do dólar levassem o Fed disparar uma alta defensiva dos juros.
O Fed, como Forrest Gump, faz que não sabe ou age como se pouco pudesse diante de um fenômeno de proporções históricas, que vai exigir ajustes e mudanças estruturais determinantes nas outras grandes economias mundiais.
As esparsas tentativas de ação coordenada dos bancos centrais falharam nas últimas semanas. Os juros já estão em níveis bastante baixos no Japão, mas agora é o próprio Ministério das Finanças que apela ao banco central por uma nova redução. Na Alemanha, onde em apenas três meses o dólar já sofreu uma desvalorização de 9%, as indústrias de carros e de bens de capital já assustam os investidores.
No filme, Forrest Gump faz as coisas meio por acaso e o mundo inteiro parece ajustar-se ao seu próprio desajuste. Na realidade, ainda há muitas dúvidas sobre a capacidade das principais economias mundiais de encontrar o equilíbrio diante de um dólar que parece cada vez mais desequilibrado.

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