São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Economia aquecida acende motores e provoca caos no trânsito de S. Paulo

AURELIANO BIANCARELLI; MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Há uma piada segundo a qual o única pessoa capaz de controlar o trânsito de São Paulo é o ministro da Fazenda. Só há tranquilidade quando sobe a gasolina.
Com a gasolina barata, a economia estável e os transportes públicos em frangalhos, a piada fez-se verdade -e a verdade é o caos.
Já se tem saudades do tempo em que congestionamentos eram localizados e tinham hora para começar e acabar. Hoje eles paralisam quase toda a cidade e se estendem até 21h. Veja o tamanho do caos:
O real jogou nas ruas da cidade mais 300 mil veículos. Três milhões circulam diariamente. Só de novos são 1.100 por dia;
Engarrafamentos saltaram de 67 km antes do Real para 96 km. Um atraso de 20 minutos equivale a um desperdício de R$ 2,8 milhões ao dia só em salários;
No dia 11 de novembro do ano passado, véspera de um feriado prolongado, São Paulo registrou o maior congestionamento de sua história: 172,2 km pararam.
A velocidade média da avenida Paulista caiu de 13,7 km/h em 93 para 11,7 km/h hoje. Coisa de Primeiro Mundo: a 5ª Avenida de Nova York anda a 10,6 km/h.
Trânsito ruim existe em São Paulo desde os anos 50. A novidade é que o caos provou que a cidade não comporta mais negócios, mais empregos e mais carros.
"São Paulo está igual à Cidade do México", diz Pedro Álvaro Szász, 51, engenheiro de transportes e consultor do CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).
Há uma diferença. Lá, 20% dos carros são obrigados a ficar em casa por dia. Alejandro Villegas Lopez, diretor da Secretaria de Transportes da Cidade do México, disse à Folha que a medida é eficaz: "As pessoas se mobilizaram para encontrar alternativas".
Em Nova York, o chefe da Divisão de Inteligência do Trânsito da cidade, John Valles, 49, contou à Folha que um raio X a cada seis meses das áreas congestionadas é um bom remédio contra o caos.
Em São Paulo, o diagnóstico é mais tétrico. "O congestionamento está gangrenando as áreas que atinge", diz Cláudio de Senna Frederico, 51, secretário estadual dos Transportes Metropolitanos.
Gangrenou por quê? Há pelos menos duas razões à frente: o colapso dos transportes públicos e a falta de planejamento urbano.
Metrô e ônibus operam no limite. Lotação significa queda na qualidade dos serviços e, em consequência, mais carros nas ruas.
O diabo é que as ruas são quase as mesmas de 20 anos atrás. "São Paulo está parando porque obras planejadas há 25 anos não saíram do papel", diz Sergio Rodrigues, 44, engenheiro especializado em tráfego e ex-diretor do DSV (Departamento do Sistema Viário).
Os planos são antigos: o prefeito Faria Lima já previa no fim dos anos 60 anéis viários na cidade.
O metrô precisa de mais 360 km de linhas, mas não há dinheiro para a empreitada: seriam necessários R$ 36 bilhões, mais do que as reservas do Banco Central.
"A questão é fazer a classe média deixar o carro em casa e oferecer conforto sem gastar milhões de dólares", diz Candido Malta Campos Filho, 58, professor de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e secretário do Planejamento nas gestões de Olavo Setúbal e Reynaldo de Barros.
Campos Filho propõe uma rede de 300 microônibus com ar condicionado que conseguiria tirar 30% dos carros das ruas. "É o percentual que sai das ruas nas férias. Ficaria uma tranquilidade".
Curitiba conseguiu tirar 40 mil carros das ruas investindo US$ 3,85 milhões em ônibus que só fazem duas paradas -os "ligeirinhos". "As pessoas trocaram o carro pelo ônibus porque economizam tempo", afirma Carlos Eduardo Ceneviva, 57, presidente da Urbanização de Curitiba S/A.
Rasgar avenidas, uma das receitas da prefeitura de São Paulo, não reduz congestionamentos, segundo Szász: "Obra incentiva a compra de carros. Se fizer quatro Farias Limas por ano vai dobrar o número de carros na cidade".
A solução a curto prazo prevê mais impostos. "Tem que cobrar imposto por litro de gasolina gasto", defende o arquiteto Joaquim Guedes, 62, professor da USP.
A CET tem uma receita mais cômoda. "A cidade é um organismo vivo e reage", prega Gilberto Lehfeld, 52, presidente do órgão. "São Paulo não vai parar porque as pessoas vão procurar empregos e fazer compras no bairro".

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