São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Quem aprendeu as lições

JANIO DE FREITAS
QUEM APRENDEU AS LIÇÕES

Sem desmerecer dos economistas que estão no governo ou por ele passaram, cujo rápido, fácil e invariável progresso material é mesmo admirável, mais uma vez se comprova que as pessoas comuns fazem menos economia de inteligência do que os economistas oficiais. Deu-se bem quem não confiou no plano dos doutores e tratou de comprar logo os seus importados. Agora começa a mesma coisa em relação aos não-importados, que ficaram livres da concorrência.
Os importados, na verdade, estão funcionando como o velho bode expiatório. A saída grossa de dólares está acontecendo é naqueles investimentos que vinham colher em um mês, graças aos juros inigualáveis que o governo paga, o lucro que lá fora não obtêm em um ano. Só em março, voaram de volta às origens uns US$ 4 bilhões desse dinheiro que se multiplica nas cirandas financeiras. E que aqui estava sendo mais engordado do que em qualquer outra parte, mas não confia mais nos chefes da casa.
Aqueles tão propalados US$ 44 bilhões de reservas, que levavam Fernando Henrique Cardoso e seus pensadores econômicos a negar as possibilidades de efeitos mexicanos sobre o Plano Real, depressa reduziram-se em um terço. Com a dívida externa e outros pagamentos previstos, no final das contas as tais reservas tendem a ficar na metade, se não abaixo, do que já estão. Ou seja, não muito acima de uns US$ 15 bilhões. Foi esta perspectiva de esvaziamento do cofre que levou o presidente e os seus economistas a esquecerem depressa a doutrina que pregavam até o início da semana.

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O aumento de impostos de importação pressupõe que os produtos sobretaxados estivessem sendo importados em larga escala. A lista dos produtos elaborada pelo governo, indicando os que tiveram seus impostos aumentados de 20% e 30% para 70%, contraria aquele pressuposto lógico.
Nela há produtos cuja importação vinha sendo menor do que o custo do jantar oferecido por Fernando Henrique no Itamaraty -aquele de US$ 3 milhões em que ninguém comeu, até o eminentíssimo Roberto Marinho teve que sair de lá para um restaurante.

Quem quer, vê
Estreitos embora, os olhos japoneses é que vêem com nitidez. Enquanto a ministra Dorothéa Werneck assegurava ao diretor da Toyota no Brasil, Masonori Onji, que "não haverá mudanças na política do governo para os carros importados", no mesmo governo ultimava-se o aumento de impostos que a ministra, logo depois da conversa, era chamada a assinar. Seu prestígio está tão alto, que nem avisada ela tinha sido, ao menos para evitar o vexame.
Mas os japoneses têm olhos para ver: Onji foi à ministra para comunicar que a Toyota vai fazer na Argentina, e não no Brasil, a sua nova fábrica de carros -a fábrica que Fernando Henrique e Dorothéa se prepararam para dar como prova de êxito internacional do Plano Real e de confiança no governo.

Pérolas
A semana foi pródiga em jóias da inteligência governamental.
O governo acabava de sofrer no Congresso a derrota do seu projeto de alterações na Previdência. Acabava de renegar a Medida Provisória que prejudicaria a Saúde e a Previdência em R$ 5 bilhões. Acabava de voltar atrás no projeto de emenda constitucional que abriria a navegação costeira a estrangeiros. Acabava de recuar na abertura da economia com o aumento de impostos. Foi quando Clóvis Carvalho, o do Gabinete Civil, sentenciou: "Os adversários do governo estão aí para mostrar nossa incapacidade, e nós estamos aqui para mostrar o contrário".
Sérgio Motta, o do Planalto -perdão, o das Comunicações, não faltou com sua contribuição: "A ordem, agora, é menos velocidade e mais debate". É uma ordem interessante, para um governo que só tem andado na marcha à ré.
Setor moderno nas redações, o serviço de propaganda de José Serra, o de todas as áreas, divulgou que o "aumento do imposto de importação é vitória de Serra". A máquina de triturar Malan não percebeu que o aumento dos impostos foi recebido como confissão governamental de fraqueza do plano econômico. E não de salvação dele. É a propaganda às avessas.
O presidente Fernando Henrique deu várias contribuições, uma delas especialmente temerária: "Eu não fujo da raia". O outro Fernando também não fugiu da raia, e isso acabou dando numa briga daquelas entre Rosane e Cláudia -que, além do mais, agora é senhora casada.

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