São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Números ilustram problemas do Judiciário

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A Áustria, um país quase cem vezes menor que o Brasil, com uma população vinte vezes menor (tudo em números redondos) tem uma vez e meia mais juízes que o Brasil. Os juízes da Corte de Cassação da Itália (que confirma ou cassa a decisão inferior, mas não decide autonomamente a questão discutida) andam pela casa dos 300, enquanto nosso Superior Tribunal de Justiça que é, grosso modo, a corte equivalente, tem 33, quase dez vezes menos.
As leis brasileiras devem andar hoje pela casa das 120.000 em vigor (devemos ser os recordistas mundiais nesse campo). Muitas vezes a sentença se retarda por causa das muitas dúvidas sobre a lei a ser aplicada ao caso concreto. Além de confusa a legislação perturba a aplicação da justiça. Dou um exemplo curioso. Entre nós, os advogados e os promotores só podem formular perguntas ao réu ou às testemunhas através do juiz. Não diretamente. Isso lhes dá tempo para pensar. Com um mínimo de inteligência logo percebem qual a melhor resposta, desejada pelo perguntante.
A maior parte dos números indicados nos parágrafos antecedentes e os correspondentes comentários foram colhidos por mim em conferência do hoje advogado Washington Bolívar de Brito, feita ao tempo em que era ministro do Superior Tribunal de Justiça, do qual foi presidente. Washington Bolívar tem o mais amplo espectro de qualificação para analisar as qualidades e as deficiências da máquina judiciária estatal. Começou como advogado, foi promotor e procurador de justiça, passou a ministro do Tribunal Federal de Recursos, pelo quinto constitucional e, com a criação do Superior Tribunal de Justiça, foi o titular do primeiro biênio integral como presidente dessa corte. Trabalhou, ainda, no Executivo, como consultor jurídico no Ministério das Comunicações. O acervo de experiência explica a força de suas opiniões.
Ele tem razão quando diz que "embora membros do Legislativo e do Executivo critiquem a demora do Judiciário, não têm maior interesse em propiciar recursos para corrigir a lentidão; no fundo, chega-se a suspeitar de que essa lentidão lhes é muito conveniente". Reconhece, porém, que a demora dos processos é excessiva e chega a ser abusiva em alguns casos. Por outro lado recorda que muitos legisladores ou membros do Executivo também não têm idéias claras sobre como o Judiciário funciona ou porque não funciona.
Discute, na mesma conferência, os fatores intrínsecos e extrínsecos que prejudicam a celeridade judicial. Arcaísmo da estrutura, que não quantifica a capacidade de examinar e de decidir, do magistrado, durante um período dado (só existe identificação nos tribunais) é elemento relevante. A defasagem entre o número de cargos criados e providos, isto é, os car gos que existem na lei e o conjunto das nomeações feitas, continua grande. Há mais lugares para serem preenchidos do que profissionais aprovados em concurso e nomeados para preenchê-los. Faltam, pois, juízes. A dificuldade poderia ser resolvida em parte com uma regra legal imperativa que determinasse correlação precisa entre o número de juízes da comarca e o número de habitantes, providos de infra-estrutura humana e material (esta, em particular, na área de informática).
Com tanta dificuldade, fica evidente que a certeza e a estabilidade do direito -elementos essenciais de sua aplicação pelo magistrado- ficam reduzidos a simulacros de garantia social, de prática de justiça.

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