São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Três ações contra o derrotismo

ANTONIO KANDIR

Deve-se evitar que se passe da crença no triunfo das reformas para o fatalismo da não-reforma
Da euforia ao catastrofismo, no Brasil, vai um passo. Entre outubro passado e janeiro deste ano, quando o presidente Fernando Henrique tomou posse, formou-se a expectativa de que a aprovação das reformas constitucionais seria um autêntico "passeio". Imaginou-se possível aprová-las a toque de caixa e sem necessidade maior de complicada costura política. Transitaríamos assim rapidamente, por força de uma mudança estrutural em várias frentes, para uma fase de administração "light" da estabilização.
Pois bem, as expectativas eram claramente irrealistas. Afora fatores econômicos havia, a alimentá-las, uma visão que faz tábula rasa do jogo político e dos procedimentos formais próprios a regimes democráticos. Quanto ao irrealismo político, duas coisas são marcantes.
Primeiro, o esquecimento de que, numa sociedade democrática, não se promovem grandes mudanças com a velocidade e a perfeição ideais, não só porque os interesses contrários são, felizmente, livres para se organizar e manifestar, mas também porque os procedimentos decisórios, principalmente no que toca a questões constitucionais, são forçosamente lentos e exigentes quanto ao quórum, para impor a necessidade da negociação política e dificultar a prevalência de maiorias ocasionais.
Segundo, o esquecimento de que, no Brasil, ainda que se realizem ao mesmo tempo, as eleições para a Presidência e o Congresso obedecem, não é de hoje, a dinâmicas distintas. À falta de partidos políticos fortes, a eleição do presidente da República, ainda que por maioria absoluta dos votos em primeiro turno, não lhe assegura sólida maioria parlamentar. O impulso de mudança política representado pela vitória do presidente Fernando Henrique não alterou esta característica "histórica" do sistema político brasileiro.
Ao ressaltar estes aspectos, por assim dizer "estruturais", não quero tapar o sol com a peneira, fingindo não reconhecer que erros foram cometidos. Talvez o erro maior tenha sido justamente o de não levar na devida conta as dificuldades políticas de promover as reformas (mesmo correndo o risco de parecer cabotino, lembro que alertei para o problema em dois artigos nesta coluna: "Otimismo maduro", de 18/11/94 e "Reforma: rumos e táticas", de 29/01/95).
Trata-se, agora, de evitar que se passe de um extremo para outro: da crença na marcha triunfal das reformas para o fatalismo catastrófico da não-reforma e da aceleração inflacionária. Para tanto, três ações me parecem fundamentais.
Primeiro, para preservar o Real, tomar medidas que protejam de modo inequívoco as contas externas do país, num cenário internacional turbulento. Esta ação o governo está adotando, com isto calando o "nhenhenhém" de quem dizia ser o México o Brasil de amanhã.
Segundo, selecionar frentes prioritárias de conflito na reforma constitucional. Importa, neste movimento, cuidar para que a desaceleração em outras frentes não resulte em paralisia, bem como abrir o debate com os setores lúcidos da oposição. Esta ação também já está em curso, havendo, da parte de figuras expressivas da oposição, sinais públicos de que não aceitam a idéia de frente única contra todas as reformas.
Terceiro, retomar a iniciativa no âmbito da opinião pública, não apenas para avivar a percepção quanto às conquistas do Plano Real, mas também para mostrar o escandaloso reacionarismo em que se enredaram alguns setores que se auto-intitularam "progressistas".
Certo, não se vê céu de brigadeiro pela frente, mas temos tudo para chegar ao final de 1995 com taxa de crescimento expressiva, ainda que não espetacular, com inflação sob controle e tendo dado passo importante no caminho das reformas estruturais.
Em termos econômicos, não é o cenário dos sonhos idílicos do final de 1994, mas é um cenário possível e, convenhamos, muito melhor do que tudo o que tivemos nos últimos 15 anos. Em termos políticos, será uma demonstração de maturidade democrática com poucos paralelos em nosso continente.

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